Rangel Alves da Costa*
Há poucos dias atrás estive na povoação
ribeirinha de Curralinho, um lugarejo de antigos pescadores e pequenos
comerciantes às margens do Velho Chico, no município de Nossa Senhora da
Conceição de Poço Redondo, sertão sergipano do São Francisco. Foi nesta terra
sertaneja que orgulhosamente nasci.
Curralinho possui uma paisagem natural de
indescritível beleza. Surgido nas ribeiras do Velho Chico, as águas passeiam
adiante dos olhares extasiados dos visitantes e até mesmo dos moradores. Suas
margens são entremeadas por serras, mas também por descampados nas proximidades
do rio, e nos interiores uma vegetação tipicamente sertaneja, com abundância de
catingueiras, umbuzeiros e cactáceas.
A povoação é igualmente de importância
histórica fundamental no desbravamento do sertão sergipano. Curralinho nasceu
de currais erguidos por colonizadores que chegaram aos sertões através das
águas do São Francisco. A partir de suas margens os primeiros colonizadores
foram vencendo os perigos da natureza inóspita e perigosa até alcançarem
localidades outras onde fincaram habitações e expandiram criatórios e
plantações.
Naquela época, não havia outro meio para se
chegar ao sertão senão através do Velho Chico. Toda a região sertaneja
sergipana era de mata fechada, de difícil penetração, sem quaisquer estradas ou
caminhos. De Nossa Senhora da Glória em diante – por isso mesmo chamada de Boca
da Mata – tudo o que havia respondia pelo nome de catingueira, umburana,
facheiro, angico, aroeira, cipó, cobra, onça, tatu, mandacaru, preá, calango,
umbuzeiro, pedra, espinho e tantas outras espécies e seres. Não havia sertão do
sertanejo, mas apenas da natureza virgem, fechada, entrelaçada em si mesma, e
seus habitantes nativos.
E quando aquela região de Nossa Senhora da
Conceição de Poço Redondo começou a ser habitada foi exatamente através do
Curralinho. Mas o destino de pedra fundamental parece não ter sido tão bom para
a povoação/mãe. Mesmo continuando como porto de chegada e partida de muitas
riquezas, o lugarejo foi perdendo força econômica quando os caminhos interiores
do sertão foram sendo abertos e o rio deixou de ser a única opção para se
chegar àquelas distâncias.
Daí em diante Curralinho começou a entrar em
decadência e assim permaneceu por muito tempo, até ser novamente redescoberto
como destino turístico. Mesmo antes desse renascimento, o simples fato de
visitar a povoação ribeirinha já era motivo de inigualável prazer. Ali o rio
ainda com seu belo leito, ora mais cheio ora mais acanhado; ali pedaços de uma
pujante história não totalmente devastada pelo tempo nem pelo descaso do homem;
ali uma cativante moldura natural e mista de nostalgia e reencontro com as
imorredouras raízes.
Atualmente, a grande maioria dos visitantes
chega a Curralinho no intuito de descansar e aproveitar da dádiva grandiosa das
águas do rio. Poucos se preocupam em conhecer seus habitantes, visitar suas
igrejas, contemplar as antigas construções ainda existentes e seus aspectos
arquitetônicos. O único objetivo parece ser mesmo a beirada do rio com seus
bares e águas azuis e convidativas para um mergulho. Muito pouco, mas menos mal
que seja assim. O simples fato de proporcionar alguma renda àquela população já
se mostra muito promissor.
Na última visita que fiz, tive a honra de
estar acompanhado pelo amigo Djalma (Doutor de Iolanda) e Dayse. Logo na
chegada, uma visita e uma reverência especial a Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, num cume defronte à povoação. Caminhei rapidamente pelas ruas,
visitei moradias, conversei com pessoas, fotografei, até chegar diante da
Igreja de Santo Antônio, esta já voltada para o rio. E em seguida abracei o
Velho Chico com toda ternura do mundo. Não só abracei como me lancei em suas
águas como criança ávida por um bom mergulho.
E ali, na beirada do rio, olhando de canto a
outro, eis que meu olhar se fixou no outro lado, num lugarejo chamado
Pontaleão, já nas terras alagoanas. Algumas residências, árvores frutíferas,
uma pequena localidade tipicamente ribeirinha. Tudo parecendo na paz de meu
Deus, no sossego do Senhor, um verdadeiro encantamento. E fiquei imaginando o
quanto seria bom viver ali ao lado rio, no silêncio das horas, no compasso do
tempo. Armar uma rede, embalar os sonhos, ser apenas feliz.
Nesse passeio de sonhos, meu olhar afastou-se
ainda mais para a beirada do rio, ainda do outro lado, e então avistou uma
casinha pequenina, solitária, quase se molhando nas águas. Rapidamente
perguntei se alguém morava ali e fui informado que não, pois servia apenas de
ponto de apoio aos cuidadores de um viveiro que ali existia. Retornei de
Curralinho sem esquecer aquela casinha. Na próxima visita seguirei até o outro
lado do rio e tomarei posse dela, seja a que custo for. E nunca mais sairei de
lá.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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