SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A IGREJINHA DO POÇO DE CIMA


Rangel Alves da Costa*


A gente sertaneja sempre teve a religiosidade espelhada na intensidade da fé. Talvez não haja qualquer outro povo mais devotado aos mistérios divinos que o vivente nas distâncias áridas da região nordestina, principalmente naquele contexto onde o sertão é mais característico: o bicho, a vegetação e o homem, tudo na dependência do que vem lá do alto, respingando como chuva abençoada ou se espalhando como sol de esturricar coração.
Se ainda hoje, em meio a tempos mundanos e pecaminosos, a religiosidade continua aflorada e incontida pelos sertões, que se imagine lá pelos idos do século XVIII para o XIX. Foi nesta época que o atual município de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo começou a ser efetivamente habitado, pois antes disso apenas as penetrações de desbravamento no desconhecido sertão. Distando cerca de treze quilômetros do Velho Chico, nos confins da mata fechada, porém numa localidade mais elevada e de visão privilegiada, foi o local escolhido por Manoel Cardoso de Sousa para se instalar com sua família.
Tem-se, pois, a família Sousa, englobando os Cardoso, como pedra fundamental na gestação da futura povoação sertaneja. Quando as filhas de Manoel Cardoso, sendo estas Delmina e Maria Rosa, tomaram como esposos os irmãos Feitosa e Lucas, linhagens familiares frutificariam até os dias atuais. Igualmente ocorreu com o terceiro irmão, chamado Cirilo, que se engraçou por uma mocinha chamada Maria, das beiradas do Curralinho, e igualmente fez gestar uma importante família poço-redondense.
Toda essa gente necessitava ir além das orações e oratórios para expressar sua fé. Assim, logo foi providenciada a construção de um pequeno templo católico aonde aqueles moradores da região do Poço de Cima pudessem compartilhar com o sagrado as dádivas da existência. E também para celebrações, batizados, encontros de fé. Como padroeiro foi escolhido Santo Antônio, o santo protetor dos pobres e desvalidos e guardião dos grandes milagres. Nada mais justo a abençoar um povo em contínua luta pela sobrevivência.



Com o passar dos anos, o templo que era conhecido apenas como Igrejinha do Poço de Cima foi recebendo outro batismo e passou a ser denominada Capela de Santo Antônio do Poço de Cima. Foi erguida em local elevado, talvez defronte às principais moradias da localidade – considerando que quase nada resta das antigas residências – e com a parede do fundo voltada para a atual sede municipal.
 A Igrejinha do Poço de Cima ou Capela de Santo Antônio de Poço de Cima, como se prefira denominar, foi, pois, construída nos primórdios do surgimento da povoação. Consiste em uma pequena construção de arquitetura simples, com um pequeno altar um pouco adiante da parede do fundo, uma porta mais larga como entrada e mais uma em cada lado. Tais características continuam as mesmas dos tempos idos, diferenciando-se apenas nos reparos estruturais que foram feitos recentemente.
Com efeito, por muito tempo a igrejinha ficou relegada ao completo abandono. Os familiares dos antigos moradores do Poço de Cima sofriam com a visão das ruínas a cada visita que faziam àquele local de grandiosa importância sentimental, pois ali não só a escrita de um glorioso passado como a presença de entes queridos no pequeno cemitério que se estende pelos arredores da capela. As cruzes e os túmulos, ora mais imponentes ora apenas vestígios sobre a terra, são testemunhas dos quantos ali jazem na eternidade.
No rústico e quase familiar cemitério foram sepultadas não só as ilustres figuras do Poço de Cima como outros importantes personagens que deram origem ao povoamento do município, sobressaindo-se sempre os falecidos das famílias Sousa, Cardoso e Lucas. Importante ressaltar que até hoje estas famílias preferem ali, em campo aberto e muitas vezes rente às sombras das catingueiras, dar repouso aos seus entes queridos.
Ao longo dos anos, talvez como forma de não deixar que igualmente às antigas residências a igrejinha também desmoronasse, algumas tímidas iniciativas procuraram mantê-la em pé. O que foi conseguido, mas não de forma que a população sentisse que o seu templo sentimental estivesse devidamente reformado e pronto para os ofícios religiosos. A verdade é que não fosse a iniciativa da Paróquia de Poço Redondo, através do Padre Mário, mais uma vez as paredes estariam caindo, o telhado desabando e o interior tomado de morcegos.
Coube então ao Padre Mário, apaixonado e devotado que é pela terra sertaneja, designar um grupo de jovens para tomar a frente dos destinos da Capela de Santo Antônio de Poço de Cima. E que acertada escolha. Atribuiu-se a estes jovens, alguns deles com profundos laços familiares na localidade, proporcionar a feição que hoje pode ser encontrada: um verdadeiro templo de Deus, de história e amor ao berço de tantas gerações.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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