SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Palavra Solta: o velho e a montanha


Rangel Alves da Costa*


Quando mais jovem, no vigor físico e na disposição para tudo, todos os dias, assim que chegava o entardecer, ele subia à montanha, retornando somente quando o sol partia completamente. Subia o caminho íngreme como num salto, numa vontade danada de logo chegar ao topo. Assim que chegava, se posicionava em cima de uma pedra grande ali existente, abria os braços e abraçava todo o mundo e toda a vida ao redor, mas não sem antes agradecer a Deus pela dádiva da criação e por tamanha beleza. Em seguida, descia da pedra, colhia uma flor bonita e se ajoelhava para as preces e outros diálogos sagrados. Sempre dizia que descia perfumado, reconfortado, espiritualmente fortalecido, com uma visão cada vez mais singela da vida. Mas o tempo foi passando e começaram a surgir dificuldades naquele percurso. Por mais que se esforçasse, sempre temia escorregar e acontecer o pior. Então tomou uma dolorosa decisão: seria a última vez que subia até o alto da montanha. Não porque houvesse abdicado de seu encontro diário, mas pelas fragilidades impostas pela idade. E quando subiu pela última vez, chorou igual uma criança, se lamentou feito um agoniado, pediu todos os perdões de um pecaminoso. Mas o que mais temia era o silêncio no lugar daquele diálogo de todos os dias. Ainda chorando, desceu sem olhar pra trás e sem olhar para cima. E nunca mais subiu à montanha. Mas de sua janela, divisando o cume da espiritualidade, todo entardecer sobe nas asas de um anjo e vai dizer lá no alto: Eis-me aqui, meu Senhor!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Texto maravilhoso!
E um dia, este momento chegará para todos nós: o de nunca mais subir a montanha.