Rangel Alves da Costa*
Quando mais jovem, no vigor físico e na
disposição para tudo, todos os dias, assim que chegava o entardecer, ele subia
à montanha, retornando somente quando o sol partia completamente. Subia o
caminho íngreme como num salto, numa vontade danada de logo chegar ao topo.
Assim que chegava, se posicionava em cima de uma pedra grande ali existente,
abria os braços e abraçava todo o mundo e toda a vida ao redor, mas não sem
antes agradecer a Deus pela dádiva da criação e por tamanha beleza. Em seguida,
descia da pedra, colhia uma flor bonita e se ajoelhava para as preces e outros
diálogos sagrados. Sempre dizia que descia perfumado, reconfortado,
espiritualmente fortalecido, com uma visão cada vez mais singela da vida. Mas o
tempo foi passando e começaram a surgir dificuldades naquele percurso. Por mais
que se esforçasse, sempre temia escorregar e acontecer o pior. Então tomou uma
dolorosa decisão: seria a última vez que subia até o alto da montanha. Não
porque houvesse abdicado de seu encontro diário, mas pelas fragilidades
impostas pela idade. E quando subiu pela última vez, chorou igual uma criança,
se lamentou feito um agoniado, pediu todos os perdões de um pecaminoso. Mas o
que mais temia era o silêncio no lugar daquele diálogo de todos os dias. Ainda
chorando, desceu sem olhar pra trás e sem olhar para cima. E nunca mais subiu à
montanha. Mas de sua janela, divisando o cume da espiritualidade, todo
entardecer sobe nas asas de um anjo e vai dizer lá no alto: Eis-me aqui, meu
Senhor!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Texto maravilhoso!
E um dia, este momento chegará para todos nós: o de nunca mais subir a montanha.
Postar um comentário