SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 1 de outubro de 2015

SINOS E AGONIAS


Rangel Alves da Costa*


É costume sertanejo anunciar as mortes e os sepultamentos através dos sinos das igrejas. Desde os tempos mais antigos que os sinos dobrando ecoam funestamente, principalmente nas horas mais inusitadas. E basta ouvi-los para que os corações se aflijam e todo o ser se envolva em agonias e sofrimentos.
Também desde os tempos mais antigos o que menos se deseja ouvir no meio da noite ou na madrugada é o dobrar compassado e entristecido dos sinos. Não é nada alentador ser despertado nas horas mais silenciosas e solitárias por aquele badalar ecoando aflição. A pessoa logo acorda e fica imaginando o que teria acontecido. Mas já conhece muito bem o significado daquele aviso.
Em instantes assim, com os sinos ainda ecoando tristezas, a pessoa se vê completamente tomada dos mais angustiantes pensamentos.  Meu Deus, quem será que morreu? Eis a primeira pergunta que surge na mente. Então, de modo confuso e temeroso, vai fazendo do pensamento mil possibilidades para o acontecido.
Em momentos assim, reencontra familiares, amigos, até pessoas desconhecidas. Fica imaginando em que estaria doente, em que poderia ter sido chamado àquela hora, em quem encontrou aquele momento como o da despedida terrena. Mas quem, quem poderia ter falecido àquela hora? E muitas outras indagações vão atormentando e afastando de vez qualquer resquício de sono.
Certa vez ouvi dizer que os sinos dobram de maneira diferente segundo as exigências do instante. Significa dizer que o badalar dos sinos anunciando uma morte não pode ser o mesmo de um chamado à missa. E talvez seja por isso que os sinos do meio da noite ou madrugada ecoam num compasso que mais parecem gemidos.
Noutra feita ouvi igualmente dizer que se a pessoa prestar cuidadosamente atenção ao aviso dos sinos poderá até sentir que o nome do falecido vai sendo pronunciado ao som de cada batida. Sempre cadenciado, solenemente triste, dobra uma vez e esvoaça em direção aos sentimentos mais aflitivos. Chega às pessoas já levando lenço e luto.
O badalar de sinos no meio da noite não só faz despertar como transtornar a cidade inteira. Não há chamado para ofícios religiosos na madrugada, não há anúncio bom que seja feito em meio ao negrume. Só há um fato que faça o sino dobrar: a morte. E que anúncio terrível, melancólico, pesaroso, de indescritível sofrimento. E muito mais pela dúvida de quem tenha falecido.
Luzes são acesas, portas e janelas são abertas, olhos e passos logo vão surgindo. Os olhares aflitos se lançam de lado a outro procurando avistar os sinais do acontecido. Não há do que duvidar acaso se aviste uma casa com aglomeração de pessoas. Os ouvidos também se põem atentos e procuram ouvir os lamentos que também já ecoam naquele momento.
Mas tudo silencioso, tudo na normalidade das noites e das madrugadas. Mas os sinos continuam dobrando seu canto de luto e pesar. Não demora muito e as confirmações chegam com os gritos, os soluços, as palavras maldizendo o destino, os amigos e familiares se transformando num rio de lágrimas e sofrimentos. Já não se ouve mais o badalar dos sinos.
Relatam que após anunciar a morte, os sinos das igrejas emudecem para também prantear a partida. E muito mais se a pessoa falecida costumava frequentar a igreja e contentemente a ela se dirigia ante o aviso da missa, da ladainha, da procissão. Já outros afirmam que eles continuam badalando em silêncio. E muito mais altos, pois enviam mensagens aos céus.
Não faz muitos dias que ouvi sinos antes do alvorecer, ainda quase na madrugada. Eu estava no sertão e logo fiquei sabendo das dores germinando na aridez. A manhã ficou mais triste e a cidade mais empobrecida pela partida daquele instante.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Ainda bem meu caro Poeta e Filósofo Rangel, que aqui em nosso povoado, não há sino na igreja; quem avisa é um carro de som, que vai logo dizendo o nome do cidadão a ser sepultado. O susto é rápido mas não nos deixa em dúvida: QUEM É; QUEM SERÁ?
Abraços,
Antonio Oliveira - Bela Vista - Serrinha.

Ana Bailune disse...

Aqui os sinos da catedral tocam todos os dias, Às seis. São alegres sinos.
Os sinos dobram por vários motivos. Dobram por serem sinos.