Rangel Alves da Costa*
O tempo irremediavelmente passa, segue seu
destino apressado. Não há como fugir das horas, dos dias, do calendário. Em
tudo uma idade que permite avistar a estrada percorrida. Mas o tempo parece não
passar de modo igual para todos. Alguns vivem o instante e até o amanhã. Outros
sequer se preocupam em apressar o passo ou viver na correria das horas. Apenas
vivem. E sobrevivem como se não nenhuma transformação houvesse na vida, no
mundo, nos modos de existir.
Para tais pessoas, aquelas que continuam
fincadas nas raízes antigas, tanto faz que a modernidade chegue trazendo
comodidades. Simplesmente preferem viver e conviver com o que já existia nos
idos de seus avôs, de seus pais, no passado. Por isso mesmo não despertam
qualquer interesse pelos modismos tecnológicos.
Nas regiões mais distantes, principalmente
nos rincões nordestinos de casebre e secura, não é somente a pobreza que torna
tanta gente distante das facilidades da vida moderna. Há um desejo próprio de
manutenção dos antigos costumes que se sobrepõe a tudo. E não adianta o
visitante tentar mudar tal concepção de vida.
Muita gente sertaneja até se nega a aceitar o
novo. Certamente que as televisões de plasma, os smartphones e toda a
parafernália tecnológica já chegaram de vez ao mundo matuto, mas não em toda
casa escondida além-veredas. Em tais casebres o tempo só passa e o novo só
acontece porque independe do homem.
Não seria errôneo afirmar que muito vivente
das distâncias matutas jamais utilizou um relógio, não acompanha a caminhada
dos dias no calendário na parede, não marca compromisso com data certa, não se
importa com o mês ou o ano seguinte. Apenas vive seu instante e tanto faz que o
seu jeito de ser continue com aparência de antigamente.
Ademais, em meios assim, onde a noção de
tempo é baseada somente na mudança das estações ou nas mudanças físicas que vão
surgindo com o passar dos anos, pouco interessa uma data de aniversário, um
registro comemorativo ou mesmo uma comemoração de passagem de ano. A vida é
apenas sequência e não raro que muitos sequer saibam dizer a sua real idade.
Quando se pergunta sobre a idade, a resposta
que geralmente chega é que já viveu muito ou que nasceu quando o umbuzeiro
adiante ainda não existia. Do mesmo modo, acaso se pergunte sobre o ano ou o
mês, não deve haver espanto se a resposta vier apenas dizendo que ali só se
conhece o tempo da chegada da trovoada, do começo da seca ou da colheita de
frutas nativas.
Ainda sobre a idade das pessoas, geralmente
se fala em filho mais velho, do meio ou mais novo. Se alguém falece, o
calendário da despedida se dá pelo luto, pelos invernos ou verões que passaram
ou pelo estado de conservação da cruz colocada acima da cova. E também afirmam
que no tempo de meu avô, no tempo de meu pai, que antigamente, e assim por
diante.
Em muitas moradias, os calendários são
pendurados nas paredes muito mais por enfeite. Daí ser fácil encontrar calendários
já carcomidos pelo tempo e ali conservados somente porque mostram paisagens
bonitas ou figuras de santos. Igualmente os velhos relógios de parede. Desde
muito que não funcionam, porém são mantidos como preciosidades ou herança
familiar.
Qual o dia da feira, qual o dia do pagamento
das contas na cidade, qual o dia certo para qualquer coisa? Tanto faz. A feira
simplesmente existe e geralmente se conhece o dia quando a dispensa avisa.
Quando há alguma compra de feira, algo como açúcar, farinha ou café, basta
perceber que já está acabando para saber que a feira da cidade se aproxima.
Quase por intuição ou mesmo porque a passagem dos dias é marcada numa folha de
papel ou na madeira da mesa, o dia certo do recebimento de algum benefício
jamais é esquecido.
É uma vida sem pressa, sem data marcada, sem
tempo de nada. O tempo apenas passa como um favor à vida. Também não há motivo
para preocupação com o calendário ou com hora de relógio. O viver praticamente
se resume em amanhecer e anoitecer, no dia e na noite, num processo que se
enraíza em cada um e que vai formando um entendimento próprio acerca da
passagem dos dias e do próprio tempo.
As tecnologias utilizadas são as mesmas do
século passado ou até antes disso. Considerando-se que lenha para fazer o fogo
é tecnologia que vem desde o homem primitivo, o mesmo primitivismo continua
sendo utilizado no cotidiano de muita gente. Também o candeeiro para iluminar a
casa enquanto se debulha o feijão ou o milho, alinhava uma saia ou remenda a
roupa de trabalho do esposo.
Talvez seja um povo que, ao criar o seu
próprio tempo e ao viver apenas com o necessário à sobrevivência, acaba sendo
verdadeiramente dono das horas, dos dias, da cronologia do mundo. Registra tudo
na memória, conserva o passado, vive o momento e abre a porta para o dia
seguinte que surge. E é tudo que lhe basta à vida.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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