Rangel Alves da Costa*
Já bebi muito, rios, mares e oceanos de
álcool. Um sortimento etílico sem fim. Fui apreciador de todo tipo de bebida, e
não rejeitava nada. Vinho, uísque, rum, cachaça, cerveja, vodca, casca de pau,
misturada, qualquer coisa. Também já me empanturrei, já me embebedei, já saí
dos limites. Bebia em festa, bebia no dia a dia, bebia por gostar de beber. E
não me arrependo não.
Já não bebo nada que contenha álcool desde
mais de cinco anos. Mas não nego que de vez em quando dá uma saudade danada de
uma cervejinha bem gelada ao redor de amigos, de uma boa dose de cachaça com
raiz de pau ao pé do balcão, de um brinde nos bons momentos da vida. Ou mesmo o
trago na tristeza, nos momentos de angústia e solidão. Nada melhor que uma dose
antes de tomar banho de chuva.
Contudo, difícil que eu volte a colocar um
cálice na boca, principalmente quando encontro pessoas que exageraram nas doses
ou na repetição dos copos e se tornam em verdadeiro martírio para os que têm de
ouvi-los, fazer companhia, suportar as conversas e ladainhas tão próprias dos
embriagados. É um verdadeiro sacrifício ter de conviver, ao menos por
instantes, com alguém saído de si ou além de si pelo álcool.
Por mais amiga que seja, por mais adorada que
seja a pessoa, ainda assim é sempre tarefa difícil a de suportar um bêbado.
Manda o outro sentar ao redor, mantem o outro devidamente abraçado, não deixa
sair de jeito nenhum. E tudo para ouvir suas razões, seus queixumes, seus
dissabores, suas recordações infindas. Também ter de compartilhar sua dor, sua
angústia, sua raiva, seu cuspe e sua lágrima de vez em quando derramada.
O bafo, ou aquele cheiro forte de álcool
exalando em cada palavra, é coisa mínima diante dos tapas nas costas, dos
abraços apertados, dos elogios exagerados. Por que o bêbado se comporta como o
maior e melhor dos amigos, e tanto assim que lança merecimentos que deixa
qualquer um desconfortado. Mas também puxa tudo o que houver debaixo do tapete
quando começa a falar dos desafetos. E a pessoa simplesmente tem de ouvir.
É uma situação verdadeiramente
constrangedora. Para se mostrar amigo e educado, de repente ter suportar todo
tipo de coisa. Você vai passando e o outro avista de dentro do bar. Chama,
grita, insiste que vá até lá, e não há saída senão ser respeitoso ao chamado.
Mas logo sente que o amigo já passou dos limites e tudo faz para se despedir.
Mas não tem jeito, principalmente se outros beberrões estiverem por perto.
Então começa o martírio.
Logo os baús mais antigos são abertos, os
diários mais envelhecidos são reencontrados, todo o passado vai sendo revivido
dose após dose. E quanto mais bebe mais a pessoa vai recordando de situações
inusitadas, até sem sentido, e repassando aos demais. E você tendo de ouvir
tudo aquilo em silêncio, porém não vendo a hora de dar o fora daquela situação.
Mas quando decide se levantar e se despedir, eis que é puxado pelo braço,
abraçado, sufocado pelo cheiro da bebida, para simplesmente ouvir que não
esquece quando precisou daquele dinheiro e o amigo emprestou. Ainda não pagou,
mas não está esquecido não. No dia seguinte a pessoa sequer cumprimenta o
amigo-irmão, a não ser que já tenha retornado ao pé do balcão.
Mas nem tudo é desconforto no encontro com
gente assim. Muitas vezes serve até como passatempo ou para simplesmente
observar a medida do homem após a bebida lhe descer com afoiteza. Eis que de
repente a pessoa humilde, empobrecida mesmo, se torna verdadeiramente
milionária. Vai despejando riquezas e ostentações que só cabem mesmo na sua
mente alcoolizada. É tanta mentira que chega a ser engraçado. Talvez por isso
mesmo, por que a realidade do dia seguinte não deixa mentir, é que somem dias
seguidos. E quando aparecem já se desfizeram de toda fortuna.
Talvez acontecesse comigo do mesmo modo.
Afinal de contas quem bebe demais não tem o dever de recordar de todas as
besteiras feitas. Seria sofrimento demais. Mas os exemplos de hoje são
suficientes para evitar a bebida e os goles a mais. Não que beber seja ruim,
mas pelas asneiras e absurdos que os bêbados dizem e fazem. E também pelo fato
de que os sofrimentos do mundo já são suficientes grandes para aumentá-los com
ladainhas de pé de balcão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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