SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

BÊBADOS


Rangel Alves da Costa*


Já bebi muito, rios, mares e oceanos de álcool. Um sortimento etílico sem fim. Fui apreciador de todo tipo de bebida, e não rejeitava nada. Vinho, uísque, rum, cachaça, cerveja, vodca, casca de pau, misturada, qualquer coisa. Também já me empanturrei, já me embebedei, já saí dos limites. Bebia em festa, bebia no dia a dia, bebia por gostar de beber. E não me arrependo não.
Já não bebo nada que contenha álcool desde mais de cinco anos. Mas não nego que de vez em quando dá uma saudade danada de uma cervejinha bem gelada ao redor de amigos, de uma boa dose de cachaça com raiz de pau ao pé do balcão, de um brinde nos bons momentos da vida. Ou mesmo o trago na tristeza, nos momentos de angústia e solidão. Nada melhor que uma dose antes de tomar banho de chuva.
Contudo, difícil que eu volte a colocar um cálice na boca, principalmente quando encontro pessoas que exageraram nas doses ou na repetição dos copos e se tornam em verdadeiro martírio para os que têm de ouvi-los, fazer companhia, suportar as conversas e ladainhas tão próprias dos embriagados. É um verdadeiro sacrifício ter de conviver, ao menos por instantes, com alguém saído de si ou além de si pelo álcool.
Por mais amiga que seja, por mais adorada que seja a pessoa, ainda assim é sempre tarefa difícil a de suportar um bêbado. Manda o outro sentar ao redor, mantem o outro devidamente abraçado, não deixa sair de jeito nenhum. E tudo para ouvir suas razões, seus queixumes, seus dissabores, suas recordações infindas. Também ter de compartilhar sua dor, sua angústia, sua raiva, seu cuspe e sua lágrima de vez em quando derramada.
O bafo, ou aquele cheiro forte de álcool exalando em cada palavra, é coisa mínima diante dos tapas nas costas, dos abraços apertados, dos elogios exagerados. Por que o bêbado se comporta como o maior e melhor dos amigos, e tanto assim que lança merecimentos que deixa qualquer um desconfortado. Mas também puxa tudo o que houver debaixo do tapete quando começa a falar dos desafetos. E a pessoa simplesmente tem de ouvir.
É uma situação verdadeiramente constrangedora. Para se mostrar amigo e educado, de repente ter suportar todo tipo de coisa. Você vai passando e o outro avista de dentro do bar. Chama, grita, insiste que vá até lá, e não há saída senão ser respeitoso ao chamado. Mas logo sente que o amigo já passou dos limites e tudo faz para se despedir. Mas não tem jeito, principalmente se outros beberrões estiverem por perto. Então começa o martírio.
Logo os baús mais antigos são abertos, os diários mais envelhecidos são reencontrados, todo o passado vai sendo revivido dose após dose. E quanto mais bebe mais a pessoa vai recordando de situações inusitadas, até sem sentido, e repassando aos demais. E você tendo de ouvir tudo aquilo em silêncio, porém não vendo a hora de dar o fora daquela situação. Mas quando decide se levantar e se despedir, eis que é puxado pelo braço, abraçado, sufocado pelo cheiro da bebida, para simplesmente ouvir que não esquece quando precisou daquele dinheiro e o amigo emprestou. Ainda não pagou, mas não está esquecido não. No dia seguinte a pessoa sequer cumprimenta o amigo-irmão, a não ser que já tenha retornado ao pé do balcão.
Mas nem tudo é desconforto no encontro com gente assim. Muitas vezes serve até como passatempo ou para simplesmente observar a medida do homem após a bebida lhe descer com afoiteza. Eis que de repente a pessoa humilde, empobrecida mesmo, se torna verdadeiramente milionária. Vai despejando riquezas e ostentações que só cabem mesmo na sua mente alcoolizada. É tanta mentira que chega a ser engraçado. Talvez por isso mesmo, por que a realidade do dia seguinte não deixa mentir, é que somem dias seguidos. E quando aparecem já se desfizeram de toda fortuna.
Talvez acontecesse comigo do mesmo modo. Afinal de contas quem bebe demais não tem o dever de recordar de todas as besteiras feitas. Seria sofrimento demais. Mas os exemplos de hoje são suficientes para evitar a bebida e os goles a mais. Não que beber seja ruim, mas pelas asneiras e absurdos que os bêbados dizem e fazem. E também pelo fato de que os sofrimentos do mundo já são suficientes grandes para aumentá-los com ladainhas de pé de balcão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: