SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 20 de outubro de 2015

AS FLORES MORREM


Rangel Alves da Costa*


As flores morrem? Eis a pergunta. Dizem que as flores “também” morrem. O outono é um cemitério de flores, os desamores são sepulcros de flores, as desilusões afetivas são jazigos de flores. Até mesmo na primavera, nos instantes em que mais deveriam florescer, de repente elas jazem ao chão dos martirizados do coração.
Daí que, infelizmente, as flores morrem...
As flores morrem de morte natural e também simbólica. Naturalmente vivem seu percurso, apaixonam, encantam, perfumam, alimentam o amor, adornam os melhores momentos, se tornam poesia para depois ir perdendo a métrica da existência. Então entristecem, ressecam, definham e lentamente vão deixando de ser flor para ser apenas o pó da saudade.
E quando as flores morrem as manhãs enlutecem...
Nada mais triste que uma manhã sem flores. Os pássaros, as abelhas, as borboletas e os colibris, voam silenciosos e entristecidos sem as pétalas para beijar o néctar. Os primeiros raios de sol apenas caem, e melancólicos choram sem poder aquecer os lábios da flor amada. Sem motivos para alegria, os olhos também se fecham respingando a saudade.
E sobre o jardim sem flores apenas a morte...
Mas sentimentos também matam as flores. Tantas vezes as flores vivas e perfumadas são avistadas como se mortas estivessem. O jardim florido um descampado solitário e as orquídeas, as rosas e os girassóis, apenas sombras que jazem entre espinhos. É a força do olhar que dá vida às rosas, são os sentimentos que dão vida às orquídeas, são os desejos que alimentam os girassóis, são as sensações que permitem a tão bela existência das flores.
E, no entanto, as flores morrem...
O que, intimamente, faz a flor morrer? Solidão, angústia, melancolia, saudade, desilusão, mágoa, rancor, ódio, insensibilidade, desapego a si mesmo e renúncia às coisas singelas da vida. A flor só pode sobreviver num jardim que a acolha, a flor só pode florescer onde possa resplandecer sua beleza, a flor só pode germinar onde haja fecundidade pra transformar flor em flor.
Quando lhes falta afeição, então as flores morrem...
Abrir à janela à vida e logo avistar a flor. Nada comparável a seu brilho, sua feição, sua cor, seu perfume, sua beleza. Os olhos esquecem a paisagem, o pensamento logo se volta ao simbolismo da flor: paixão, amor, desejo. E, no entanto, tudo acaba, tudo se finda.
Triste que se assim aconteça, mas as flores morrem...
As flores morrem por que espécie, por que vida, por que existência. Vivem seus verdes instantes, florescem seus melhores dias, encantam enquanto possuem viço, aroma e cor, mas depois vão sendo esquecidas como uma folha qualquer. No sopro do vento ou do tempo, seu resto se vai.
E assim por que as flores morrem...
A semente caída ao chão, talvez de um bico de passarinho, depois de esquecida ao relento é molhada pelos pingos de chuva. Então a terra absorve o grão, que brotará com destino à morte.
As flores morrem...
A terra molhada, tão propícia à germinação, vai gerando fertilização da semente e seu embrião vai se desenvolvendo até rebentar para a planta nascer. Depois do nascimento um percurso de existência, de crescimento e definhamento, até chegar o instante da partida.
As flores morrem...
A planta cresce e no seu caule vão surgindo as folhas. Algumas destas folhas já nascem modificadas e crescem de maneira diferenciada. De um cálice vão surgindo pétalas, sépalas, estames e outros ornamentos. Daí será flor até morrer.
Por que as flores morrem...
Mas antes disso as flores vivem. E não somente vivem como permitem que vidas se unam em amor eterno enquanto durar. Levadas em buquê, rejeitam todo não. E todo sim se transforma em primavera no coração. E o amor nascido da flor sempre desperta como poesia. De versos suaves e perfumados.
Mas eis o destino. E os espinhos serão como cruzes nas cinzas das flores. Por que as flores morrem.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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