Rangel Alves da Costa*
Dentre a tradicionalidade oral das lendas e
mitos ribeirinhos, certamente a do nego d’água é uma das mais corriqueiras e
apaixonantes. Não há sujeito que resida nas barrancas dos rios e riachos que
não tenha uma prosa pra contar acerca desse molecote mítico que mora nas águas
e se compraz em estar pulando das pedras às profundezas molhadas. Tem-se, por
muitos, como lenda, como causo sem pé nem cabeça, mas grande parcela chega
mesmo a jurar que já avistou o neguinho pulando nas águas. Quando não contam
sobre avistamento, ainda assim dizem que ouviram o barulho das águas e que
outra coisa não poderia ser senão o molecote na sua constância de banho. Zé Ribeirim,
um velho morador das barrancas do São Francisco contava uma história de
arrepiar acerca do nego d’água. Segundo ele, certa feita, quando ao entardecer
retornava de uma pesca no seu barquinho, tudo fez pra não passar defronte a um
lajedo na beirada do rio. Já tinha ouvido que o neguinho gostava de estar
naquela pedra e não desejava encontrá-lo já perto do anoitecer. Mas quando mais
remava para o outro lado mais o barquinho era atraído para o costado da pedra.
E quando olhou, já um tanto amedrontado, lá estava o neguinho pronto pra
mergulhar. E deu um mergulho tão forte que as águas espanaram no seu rosto. E
num segundo depois sentiu um peso dentro do barco, às suas costas. Já
imaginando quem poderia ser nem pensou duas vezes, pulou rapidamente nas águas
e se pôs a nadar desnorteado. Quanto mais nadava mais ouvia gargalhadas ao seu
redor, num zombaria difícil de acreditar. Assim que alcançou a margem e se
imaginou livre da ameaça, eis que avistou o seu barco vindo naquela mesma
direção. E remando sozinho. Então se danou a correr que até hoje ainda não sabe
quando vai parar, pois sente o barco navegando na terra. E o nego d’água dentro
dele.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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