Rangel Alves da Costa*
Dudu Ribeiro e Gerson Filho - ainda que ambos
alagoanos - tiveram destaque de ponta na tradição forrozeira sergipana. Gerson
Filho muito mais famoso que Dudu Ribeiro, ainda assim na sanfona os dois
duelavam sem vencedor. Dudu, nascido em Traipu, presença marcante nas festanças
sanfoneiras nos sertões alagoanos e sergipanos, Gérson, nascido em Penedo,
sempre devotado quando chegava aos rincões distantes ao lado de sua Clemilda. E
os dois exímios na sanfona de oito baixos, aquela mesma de chamada numa mão e
resposta na outra, também conhecido como fole de pé-de-serra.
Os dois, além de conterrâneos, eram muito
amigos e de vez em quando se encontravam pelos forrós interioranos. Em Poço
Redondo, no sertão sergipano, se encontraram algumas vezes, mas por motivações
diferentes. Enquanto Dudu Ribeiro era sanfoneiro de salão, de festança em sala de
reboco até o raiar do dia, Gerson se apresentava em shows ou mesmo em cima de
palcos circenses. E relatam que foi num desses encontros que teve início uma
verdadeira intriga forrozeira.
Em Poço Redondo conheci tanto Dudu Ribeiro
como Gerson Filho. Aliás, Gerson e Clemilda eram muito amigos de meu pai Alcino
Alves Costa e de vez em quando eram contratados para shows e para sentar à mesa
em torno de galinha caipira e da porção de pimenta malagueta especialmente
encomendada para o sanfoneiro. Ainda hoje recordo como Gérson fazia:
simplesmente levava à boca uma porção de pimentas e depois as mastigava
tranquilamente, como se estivesse mordendo um doce.
E foi envolvendo Poço Redondo que teve início
a intriga forrozeira de grande monta, ainda que desconhecida por muitos. Eu
mesmo só tive conhecimento recentemente quando, estando proseando com um velho
amigo poço-redondense, o conhecido Zé Veinho, este fez um relato
impressionante, como a seguir será mostrado. Tudo começou quando meu irmão
colocou um forró e disse que aquela música havia sido a primeira a prestar
homenagem a Poço Redondo.
Logo nos primeiros acordes, Zé Veinho se
manifestou dizendo que aquele instrumental sanfoneiro chamava-se Forró em Poço
Redondo e que por causa dessa música Gerson Filho havia sido ameaçado de morte.
E pelo famoso forrozeiro Dudu Ribeiro, o alagoano de baixa estatura e sempre
impecavelmente vestido em terno de linho branco, levando também um suntuoso
chapéu panamá na cabeça. Espantados, pedimos para que o conterrâneo
destrinchasse aquela notícia. E assim se pôs Zé Veinho falar:
“Foi por causa desse forró que Dudu Ribeiro
jurou acabar com a vida de Gerson Filho. Segundo se alastrou por aqui, esse
forró foi feito por Dudu em homenagem a terra que tanto gostava de tocar.
Colocou o nome de Forró em Poço Redondo e um dia, tendo encontrado Gerson
Filho, puxou o fole e mostrou sua composição. Gerson ficou admirado com a
beleza do forró e imediatamente pediu para gravar. O que também imediatamente
foi aceito por Dudu. Ora, eram forrozeiros, amigos. Mas Dudu fez uma exigência,
e esta foi para constar o seu nome como compositor de Forró em Poço Redondo. Gerson
se comprometeu a fazer isso, porém não cumpriu. Quando o LP foi lançando,
inclusive como faixa de destaque no vinil, o nome de Dudu havia sido esquecido
e constava Gerson Filho como único autor. Quando Dudu Ribeiro soube, então não
prestou não. No mesmo instante jurou que procuraria Gerson Filho onde ele
estivesse para fazer que pagasse aquela desfeita. Mas o pagamento não era com
dinheiro não, mas com a própria vida. Quando soube da intenção de Dudu, e
sabendo de antemão o homem perigoso que ele era, foi Alcino, seu pai, amigo dos
dois, que cuidou de tirar da cabeça de Dudu aquela intenção maluca. Mas não foi
tarefa fácil não, pois o homem estava realmente decidido a resolver aquela
desfeita na bala. Ainda bem que Alcino conseguiu resolver a situação. Dudu
morreu levando essa mágoa. Com raiva, também nunca mais tocou o forró que ele mesmo
havia feito em homenagem a terra que ele tanto gostava”.
Com efeito, Dudu Ribeiro, além de sua
maestria no forró, também era conhecido pela fama de valente, de perigoso, de
bom no gatilho. Alardeava-se sertões adentro que o homem já havia vitimado
alguns pelos rincões alagoanos. Também diziam que ninguém se enganasse com
aquele baixinho, pois tão bom no dedilhar da sanfona como no apertar o gatilho.
Se lenda ou não, se folclore matuto ou não, a verdade é que o homem de Traipu
era respeitado demais. E igualmente temido.
Quanto a Gerson Filho, se verdadeira a
história da usurpação autoral, talvez nem tenha tomado conhecimento da ameaça.
A verdade é que fez um sucesso danado com o Forró em Poço Redondo. Lançado no
LP “Ingazeira do Norte”, de 1969, pela RCA Camden, a homenagem ao município
sertanejo é a primeira música do lado B. O Forró em Poço Redondo também está na
coletânea “Eu só quero um forró”, de Clemilda e Gerson Filho, lançado em 2000
pela BMG.
Verdade ou não, coisas, fatos e causos, do
meu sertão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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