Rangel Alves da
Costa*
Meninote
sertanejo, metido a caçador de passarinho e outros bichos do mato, eis que um
dia enveredei bem mais longe do que costumava fazer. Cismado em colocar na
gaiola um azulão cantador avistado na galhagem da catingueira, quanto mais o
pássaro voava mais eu corria em disparada no seu encalço. Quando dei por mim já
estava numa mataria totalmente desconhecida.
Nada igual
à vegetação costumeira, sobressaindo-se catingueiras, craibeiras, juazeiros e
outras árvores típicas daquele sertão entremeado de mandacarus e xiquexiques.
Era mataria de sertão, porém diferente no volume arbustivo que quase não dava
passagem. Plantas espinhentas, tufos fechados, cipós impedindo a passagem,
galhos pontudos fazendo sangrar a pele. Estranhei demais, pensei. Aonde será
que vim parar, logo indaguei preocupado.
Atormentado
com a situação, nem no desejado azulão eu pensava mais. Queria mesmo era
encontrar ao menos uma vereda que levasse a um caminho seguro e afastado
daquele perigoso e desconhecido lugar certamente tomado por cascáveis e outras
peçonhentas. Já estava com o corpo lanhado pelos espinhos, até mesmo sangrando
pelas pontas dos paus, quando ouvi o galope de cavalo. Então tive a certeza de
estar perto de uma estrada.
Como o galope
avançava cada vez mais, abaixei-me o quanto pude rente aos tufos mais baixos e
fiquei nervosamente observado quem passaria adiante. Mas não passou não. O
cavalo parou nas proximidades e dele desceu um homem de estatura mediana,
chapéu imenso, bigode e um cigarro apagado num canto da boca. De botina quase
chegando aos joelhos, uma roupa imunda de tecido grosso e tendo duas armas de
cada lado da cintura. E mais um rifle à mão. Tremi como vara verde quando
reconheci aquela feição famosa por toda a região sertaneja.
Titó
Caveira, o nome do homem, ou apelido do maior jagunço que a desdita do mundo já
fez pisar naquelas brenhas matutas. Ali uma terra de jagunços, de assassinos
frios e covardes, mas nenhum igual àquele que acendia o cigarro com fogo de
espoleta. Jagunço da malhada do Coronel Querêncio Lavandeira, dizem que vivia
resguardado para os trabalhos mais perigosos e com vítima cuidadosamente
escolhida entre os tantos desafetos do poderoso patrão.
Como eu
sabia de tudo isso? Ora, enquanto meu avô e amigos proseavam sobre tais
assuntos nas noites de lua cheia, eu fingia estar brincando de ponta de vaca só
para ouvir sobre as desgraceiras encomendadas pelos poderosos sertões adentro.
Todo mundo temia o ferro e o fogo coronelista, mas no pé de prosa nenhum se
salvava dos impropérios e amaldiçoamentos. Foi assim que desde novinho já
conhecia o festim de malvadezas dos coronéis da região.
E dali
também a fama de Titó Caveira, que por sinal se preparava para mais uma
empreitada sangrenta. Só podia ser, pois armado daquele jeito não estava atrás
do meu azulão. Mas quem seria sua vítima e por que ali? Esforcei-me para
divisar ao redor e consegui avistar uma estrada de terra batida, daquelas
abertas a facão e foice no meio da mataria. Mas em seguida também avistei o
jagunço espantar o cavalo e este sumir no meio do mundo num galope só. Mas
certamente não ia muito distante, pois depois bastaria um assobio para ele
riscar no pé de seu dono.
Agora
sozinho, o jagunço preparou as armas, certificando-se de que tudo estava a
contento, e depois procurou refugiar-se detrás de um emaranhado de folhas,
cipós e galhos. Logo imaginei o que aconteceria dali em diante. A tocaia estava
feita, restava apenas esperar o desafeto do coronel passar por ali, vindo a
galope pela estradinha, e assim que estivesse ao alcance da mira do matador,
então o tiro certeiro e mortal seria dado. É assim que faz todo jagunço na sua
lide cruel e assassina. É para ser assim que ordena o coronel dono do mundo e
de vidas, fazendo tombar num açoite qualquer um que atrapalhe seus planos. Ou
até mesmo inocentes que outra coisa não possuem senão um pedacinho de terra. Só
que nas vizinhanças das terras do poderoso.
Eu já não
suportava permanecer naquele local nem naquela posição. O corpo todo doía, os
cortes e os machucões pareciam dilacerar toda a pele. Além disso, umas malditas
mutucas apareceram para piorar ainda mais aquela situação. Mas também não podia
sair. O Caveira estava do outro lado com a arma em mira e não pensaria duas
vezes em atirar numa pessoa que avistasse correndo. Não havia o que fazer.
Então ouvi um galope distante. E quanto mais se aproximava mais eu parecia
ouvir o tiro e o baque do desditado caindo da sela e rolando pelo chão. Foi
quando divisei o cavalo alazão e em cima dele o Coronel Querêncio Lavandeira.
Mas não
pode ser, logo imaginei. Se ali é o coronel, então o jagunço tocaiou para matar
o patrão. E de repente um terrível disparo. Apenas um, mas suficiente para que
o corpo do Caveira, o jagunço, fosse arremessado no meio da estrada. Outro
jagunço, conhecendo de antemão o preparo da emboscada, seguiu no encalço do
matador para impedir seu desfecho. E também assumir o posto de protetor e líder
entre os jagunços.
Diante da
cena, o coronel apenas cuspiu por cima do morto e seguiu adiante, galopando
lentamente. Enquanto isso o outro jagunço cortava a cabeça do famoso matador
para levar o troféu e espalhar a história pelos sertões nordestinos. Quanto a
mim, por muitos anos silenciei sobre tudo. Mas agora conto tudo aos amigos de
proseado e sei que meu neto está ouvindo enquanto finge brincar de ponta de
vaca.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Excelente!!!
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