Rangel Alves da
Costa*
Desde
muito que não avistava um sabiá, um rouxinol, um bem-te-vi, um canário, uma
fogo-pagô. Não se lembrava de quantos anos haviam passado desde que o colibri
fez rasante sobre o caqueiro à janela e arribado sem voo de volta. Não havia
mais flor. Somente o tempo para afastar da presença tudo aquilo que tanto se
aprendeu a amar. Amava os pássaros, a natureza ao redor, os gorjeios e
madrigais, aquela presença festiva.
Mas agora
não avistava senão a paisagem nua e triste. Com a derrubada das árvores e o
sumiço das copas altas e dos galhos para os ninhos, os pássaros se fizeram em
revoada entardecer após entardecer. E não havia mais nenhum que despertasse a
manhã com um trinado de paz e felicidade. E não havia mais nenhum que
ultrapassasse a janela e fosse pousar na planta de plástico. Acostumada com a
festa de tantos pássaros, havia se esquecido dos pardais com seus ninhos entre
ripas e telhas, no alto da casa.
Os
pardais, que geralmente são pouco considerados em meio a outros pássaros de
plumagens coloridas e cantares sublimes, sempre dividiram aqueles espaços com
os demais, mas somente com o desaparecimento dos outros é que saíram das
sombras para a percepção. Contudo, principalmente pela sujeira que provocam
dentro e nos arredores da moradia. Fazendo ninhos com o capim seco, de repente
o chão estava tomado daqueles restos caídos do alto.
Ela abria
a janela e começava a mirar o horizonte empoeirado lá fora. Não havia nada que
trouxesse alguma alegria ao olhar ou que novamente despertasse a atenção pelas
belezas da vida. Por isso mesmo que apenas olhava e quase nada enxergava.
Apenas as cartas da ventania, os baús reabertos dos tempos de outrora, as
ilusões entristecidas de tudo aquilo que agora lhe era impossível avistar. Daí
que tanto fazia passar um boi voador como uma folha levada ao seu destino
final.
Mas um
dia, debruçada ali na janela perante o seu mundo sem mundo, de repente começou
a avistar uma estação de trem. Não só o prédio rústico e nostálgico em si, mas
também um trem apitando para partir enquanto outro fumaçava sua chegada. Tudo
chegava com nitidez impressionante ao seu olhar: as paredes antigas, os
assentos de madeira, um calendário pregado numa parede e um velho relógio
noutra parede. Também um cachorro dormindo num canto e um buquê de flores
estendido perto dos trilhos. Mas não avistava ninguém, qualquer pessoa que
estivesse de partida ou chegando, ou mesmo esperando reencontrar alguém.
Sim,
olhava ao longe e encontrava aquela velha estação. E mesmo ao longe podia
enxergar o calendário, o relógio na parede, o buquê caído logo ao lado dos
trilhos. Que doce e cruel ilusão do pensamento. Qualquer outra pessoa avistaria
somente um velho casebre em ruínas, sem portas, sem telhado, caindo aos
pedaços, e naquele local abandonado desde mais de dez anos. Mas ela agora
avistava uma estação. E também divisava um trem partindo e outro chegando, a
sua fumaça, o seu apito, os trilhos se perdendo em curvas num horizonte
qualquer.
Enquanto
avistava a estação surgiam outras imagens que somente a sua mente era capaz de
revelar. Ela ali em pé na estação, toda bela de vestido rendado, com lenço e
flores à mão, esperando alguém que jamais chegava. Assim que um trem apitava
distante, ainda na curva da montanha, logo se apressava a retocar a leve base
de pós sobre o rosto. Mas para depois tudo se molhar de lágrimas pela ausência.
E assim o dia inteiro. Talvez aquele buquê fosse o seu, caído das mãos enquanto
retornava tristonha.
Tinha
certeza que aquele buquê era realmente o seu e precisava recuperá-lo antes que
um trem passasse por cima de suas flores. Precisava daquele buquê para apagar a
lembrança daquele encontro marcado e não acontecido. Colocaria flores novas
sobre aqueles mesmos espinhos e depois retornaria à estação pronta para os
abraços e beijos. E assim seguiu rumo à estação acompanhada por pássaros
voejando ao redor. Sabiás, canários, colibris, pintassilgos...
Seguia
pela estrada da alucinada imaginação enquanto os pardais lançavam sujeiras do
alto da janela sobre sua cabeça. Havia um lenço molhado à mão, mas talvez ela
imaginasse apenas flores novas para o buquê.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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