Rangel Alves da Costa*
Sou filho de um sertão conhecido da seca
grande, da estiagem feroz, da sede e da fome, do calango correndo por cima das
pedras fugindo da quentura da terra. Um sertão que de repente se vê somente com
a flor do mandacaru. Uma tristeza sem fim, aquela imensidão esturricada e no
meio de tudo o velho mandacaru de braços erguidos aos céus implorando chuva. Os
urubus campeiam por todos os lados. Do alto das galhagens pontudas se põem a
mirar os animais caminhando para a morte certa. A magreza é tão grande que fraqueja
diante da primeira pedra e cai para não mais levantar. Daí em diante o voo
negro e devorador para furar olhos, destroçar restos, deixar em ossos mais um.
Ao redor as aves agourentas piam as desgraças vindouras. Carcarás e mãe-da-lua
festejam as desgraças tantas. E os campos já devastados pelas securas se dobram
ainda mais com as ossadas que se acumulam na guerra santa. Uma santa natureza,
afligida pelo esquecimento dos santos, tornando os fiéis sertanejos numa santa
miséria. Mas não há castigo nem sina. O homem sofre, se aflige, mas compreende
o seu meio e sua situação. Suporta na dor as bonanças de qualquer. Mesmo sem
lhe restar qualquer bicho na porteira aberta, ainda assim se apega aos santos
com devoção desmedida. Não se volta para a ausência divina ante aquela
situação, mas para a certeza que o seu Deus não lhe faltará amanhã. E basta um
pingo d’água caído dos céus para o homem ser o renascimento de tudo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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