Rangel Alves da
Costa*
Nos
sertões de antigamente, de um povo mais oprimido, depauperado e dependente do
que agora, estendeu-se um manto coronelista que chamava para si não só o poder
e o mando como a proteção às desvalias e injustiçamentos. Nas mãos do coronel
estavam a chibata e o açoite, mas também a esmola e o abrigo contra difíceis
situações. Era algoz e benfeitor, carrasco e protetor. Como a maioria dos
sertanejos necessitava do amparo para sobreviver, a opressão quase sempre
silenciava.
Era um
poder desmedido dos coronéis, e não apenas nas circunscrições de mando, nos
latifúndios e povoações, mas também além-fronteiras, muito além dos limites do
alcance de suas ordens, avançando até mesmo em estados vizinhos. É neste
sentido que o coronelismo baiano e alagoano ultrapassou as fronteiras estaduais
para influenciar fortemente nos sertões sergipanos, sem que houvesse a mesma
correspondência de alastramento de mando. Verdade é que os coronéis sergipanos
já não existiam quando aqueles das vizinhanças continuavam em plena atuação.
Dois
coronéis se sobressaíram na atuação além-fronteiras. O primeiro foi João Maria
de Carvalho, a partir do sertão baiano de Serra Negra (atual Pedro Alexandre),
e o segundo foi Elísio Maia, a partir do município alagoano de Pão de Açúcar.
Estes dois senhores não só simbolizavam o coronelismo regional, comandando a
vida local e influenciando em municípios circunvizinhos, como agiam muito além
de seus feudos de mando. Suas vozes, desejos e intenções eram respeitados em
toda a região sertaneja de Sergipe, principalmente nas confluências dos
carrascais do Velho Chico.
João Maria
de Carvalho, o famoso e até hoje prestigiado Coronel da Serra Negra, atuou
fortemente na política, no latifúndio e principalmente através de uma rede de
proteção que o tornava conhecido como refúgio de cangaceiros, bandidos comuns e
de linhagem familiar, perseguidos políticos e injustiçados, todo tipo de gente
que chegava aos seus domínios em busca de uma salvaguarda. Fato de relevância é
que mesmo encastelado no sertão baiano da Serra Negra seus protegidos eram
comumente de outros estados, principalmente de Sergipe.
Elísio Maia |
João Maria de Carvalho |
Nascido em
24 de janeiro de 1890 e falecido a 09 de agosto de 1963, aos 73 anos, João
Maria de Carvalho possuía dupla patente de coronel, a da legalidade e a de
mando. De raiz familiar das mais afamadas da região, era irmão do Coronel
Liberato de Carvalho, um dos principais chefes da polícia baiana no encalço de
Lampião. Como verdadeira contradição familiar, enquanto o Coronel João Maria
protegia Lampião e seus cabras, suprindo-os de abrigo e do que mais
necessitassem, o seu irmão Liberato vivia como fera no rastro do predador dos
sertões.
O poder e
a influência do Coronel João Maria iam muito além da Serra Negra e região. Todo
o sertão sergipano respeitava o seu nome e suas ordens interferiam não só nas
políticas locais como estadual, pois era sempre ouvido pelas principais
lideranças políticas do estado. Como Serra Negra faz divisa com Poço Redondo,
foi neste município sergipano onde mais atuou. Possuía não menos que onze
propriedades, verdadeiros latifúndios, na localidade (Fazendas Santo Antônio,
Poço do Mulungu, Riacho Largo, Jurema, Recurso, Propriá, Exu, Pia da Barriguda,
São Clemente, Paraíso e Cacimba Dantas).
Além
disso, mantinha uma rede de poderosos compadres que acabava decidindo todo o
destino daquele sertão sergipano. Mantinha constantes contatos com lideranças
locais e por muito tempo foi protetor de Zé de Julião (José Francisco do
Nascimento), após este deixar o cangaço com a alcunha de Cajazeira e quando se
lançou candidato a prefeito de Poço Redondo. A preocupação do governo estadual
era tanta com a possibilidade de eleição do ex-cangaceiro, que as forças de
Leandro Maciel tudo fizeram para afastar o apoio do Coronel da Serra Negra. Mas,
homem de palavra, prosseguiu apoiando, ainda que o seu protegido jamais pudesse
vencer os canhões da velha política sergipana.
João Maria de Carvalho |
Em moldes
diferenciados foi a atuação do poderoso alagoano Elísio Maia, senhor e
mandatário de Pão de Açúcar e região. Diferente de João Maria, que tanto
possuía latifúndios como influenciava pessoalmente no sertão sergipano, o coronel
das Alagoas agia através da palavra. E nunca deixava de ter uma palavra ao
compadre sergipano que o procurasse. E na voz a ordem, a tomada de providências
imediatas, a senha de consequências apavorantes. Ademais, tanto acolhia a gente
malfeitora enviada pelos compadres sergipanos como enviava seus cabras tanto
para proteger como para atuar firmeza.
Elísio da
Silva Maia, ou simplesmente Coronel Elísio Maia, ou ainda “Seu Elísio”, como
carinhosamente chamado pelos conterrâneos, foi senhor absoluto de Pão de Açúcar
e região por mais de quarenta anos. Temido, acusado das maiores atrocidades
contra desafetos, homem de jagunço e paletó, foi delegado, prefeito, deputado,
mas também tido com verdadeiro guardião dos necessitados. Negava a pecha de
coronel e se intitulava “o Elísio Maia do povo”. Sua história se assemelha a de
uma verdadeira lenda ora amada ora odiada. Mas o ódio político já não mais
subsiste, pois a fama do homem reescreveu sua história.
Assim,
João Maria de Carvalho e Elísio Maia representaram a força coronelista
alastrando suas forças além-fronteiras. Por isso mesmo havia um ditado popular
dizendo que depois do São Francisco quem manda é Seu Elísio e depois da Serra
Negra quem manda é João Maria. Mas os dois atravessam o rio e vão muito além da
serra.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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