Rangel Alves da Costa*
No lixo a vida. No lixo os restos putrefatos,
os molambos sebosos, a podridão das carniças, os azedumes ensanguentados, os
vermes e as imundícies. Mas pessoas existem que catam o lixo, que busca o lixo,
que recolhem o lixo, que avançam sobre o lixo, que brigam pelo lixo, que
precisam do lixo. No lixo a deterioração do mundo, da exacerbação da vida, do
imprestável excesso, do luxo acumulado, do requinte apodrecido, da ostentação
que se transforma em impureza. Mas certas pessoas nem pensam assim, pois
avistam as imundícies como preciosidades e as bagaceiras como possíveis
alimentos. No lixo o velho colar, o relógio sem ponteiro, o sapato sem sola, a
calça rasgada, a camisa sem botões, o lenço sujo, as roupas íntimas rasgadas.
Mas certas pessoas se embelezam com tudo isso. Mas somente quando podem
remendar, pregar, ajeitar para dar uso ou consumo. No lixo o capitalismo
transformado em restos, a burguesia transformada em entulho, o poder
transformado em nada. Por que no lixo o espelho de tudo. E tanto a burguesia
como o capitalismo se consome a si mesmo, tornando-se num lixo qualquer. No
lixo a doença, os refugos de enfermidades, os fiapos adoecidos. Mas eis a força
de tal destino. No lixo a vida de tanta gente. Os males da fome são curados com
a comida encontrada, a feiura da nudez é combatida pela roupa achada, muita da
carência do barraco é no lixo seu comércio. E sem moeda de troca, apenas pelo
todo de si que se deixa pelas calçadas, esquinas e lixões: a miserável condição
humana de ser tratado, olhado e reconhecido como o próprio lixo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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