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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 25 de outubro de 2015

Palavra Solta: lixo e vidas


Rangel Alves da Costa*


No lixo a vida. No lixo os restos putrefatos, os molambos sebosos, a podridão das carniças, os azedumes ensanguentados, os vermes e as imundícies. Mas pessoas existem que catam o lixo, que busca o lixo, que recolhem o lixo, que avançam sobre o lixo, que brigam pelo lixo, que precisam do lixo. No lixo a deterioração do mundo, da exacerbação da vida, do imprestável excesso, do luxo acumulado, do requinte apodrecido, da ostentação que se transforma em impureza. Mas certas pessoas nem pensam assim, pois avistam as imundícies como preciosidades e as bagaceiras como possíveis alimentos. No lixo o velho colar, o relógio sem ponteiro, o sapato sem sola, a calça rasgada, a camisa sem botões, o lenço sujo, as roupas íntimas rasgadas. Mas certas pessoas se embelezam com tudo isso. Mas somente quando podem remendar, pregar, ajeitar para dar uso ou consumo. No lixo o capitalismo transformado em restos, a burguesia transformada em entulho, o poder transformado em nada. Por que no lixo o espelho de tudo. E tanto a burguesia como o capitalismo se consome a si mesmo, tornando-se num lixo qualquer. No lixo a doença, os refugos de enfermidades, os fiapos adoecidos. Mas eis a força de tal destino. No lixo a vida de tanta gente. Os males da fome são curados com a comida encontrada, a feiura da nudez é combatida pela roupa achada, muita da carência do barraco é no lixo seu comércio. E sem moeda de troca, apenas pelo todo de si que se deixa pelas calçadas, esquinas e lixões: a miserável condição humana de ser tratado, olhado e reconhecido como o próprio lixo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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