Rangel Alves da Costa*
Uma situação verdadeiramente absurda está
acontecendo lá pelas bandas do sertão sergipano, em Nossa Senhora da Conceição
de Poço Redondo, município que ouviu meu primeiro choro. Ouviu meu primeiro
berro e certamente continua ouvindo minhas dores ante as tantas incoerências,
injustiças e desmazelos, que se acumulam e se propagam nos seus quadrantes.
Sofro por ser sertanejo, sofro pelo meu sertão, sofro pelo que o homem público
faz com que o seu habitante humilde e carente. E sofro também pelo avesso
perseguido por muita gente da terra.
Mas vamos aos fatos. Desde mais de trinta e
cinco anos que Dona Mazé Crente carinhosamente cuida de um canteiro ao longo de
seu trecho de rua. O tal canteiro é tão bem cuidado que mais parece um jardim
primaveril. Mesmo num sertão esturricado pela inclemência do sol e das secas,
não há um só instante que o jardim não seja encontrado florido, verdejante,
maravilhosamente belo. Todos os dias, logo ao alvorecer ela se põe a aguar de
canto a outro, conversar com as flores e plantas, dedicar-se de corpo e alma ao
seu pequeno paraíso. Todos os visitantes e forasteiros logo se admiram com
aquela paisagem em pleno sertão.
Pois bem, já desde algum tempo que alguns moradores
do trecho estão implicando com o jardim de Dona Mazé. Os verdadeiros monstros,
desumanos e insensíveis, que querem porque querem que a prefeitura municipal
destrua aquele canteiro. Motivo: alegam que precisam construir garagens e o
canteiro impedirá a entrada dos veículos. Repita-se já são quase quarenta anos
com aquele canteiro ali, sendo diuturnamente cuidado e preservado, e sem que
nenhum morador ao redor sequer imaginasse possuir um carro algum dia. E agora,
em nome do luxo e da conveniência materialista, desejam a todo custo destruir a
única área verde existente na sede municipal. Não é apenas uma área verde e
exuberante, mas a própria simbologia de que é possível um jardim
permanentemente florido em pleno sertão.
Outro dia escrevi um texto precisamente sobre
Dona Mazé e seu jardim, que urge ser em parte transcrito ante os fatos novos e
absurdos. Após tecer considerações acerca do abandono das praças, da feiura e
do desalento que se alastram por todo lugar, como se Poço Redondo tivesse que
ficar à mercê da incúria dos mais recentes governantes, citei o canteiro
daquela senhora como exemplo de que é possível construir e manter a cidade
bela, ainda que confrontando a própria natureza. Eis o que escrevi:
“Mas nem tudo é desilusão. Felizmente. E a
prova de que tudo pode ser feito diferente está demonstrado num simples
canteiro de rua. Sim, num pequeno trecho da Rua Manoel Pereira, entre a Gustavo
Melo e a também abandonada e feia praça da feira. É neste trecho que mora Dona
Mazé, mais conhecida como Dona Mazé Crente, uma senhora que chegou à cidade
pelos idos dos anos 70 e abraçou o novo lar como seu berço de nascimento.
É neste trecho que Dona Mazé mantém e cuida
de um canteiro que contrasta com tudo que há em Poço Redondo. Não há tempo
ruim, de seca devastadora, nada que faça com aquele canteiro fique abandonado
ou mal cuidado. A qualquer tempo e em qualquer época, o olhar do caminhante
encontrará uma formosura sem igual: plantas de diversas espécies, flores e
cores. Cuida de seu canteiro como se fosse de um filho pequeno, mas inegáveis
são os maravilhosos frutos de toda essa dedicação.
Desse modo, o jardim sempre florido de Dona
Mazé serve como exemplo de que tudo é possível ser feito quando se deseja
administrar bem uma cidade, ainda que empobrecida e situada no semiárido. Mas
não se pede aqui que a cidade inteira passe a ter a feição do canteiro
primaveril de Dona Mazé, apenas que seja cuidada com o zelo que sua população
tanto deseja e merece. Ademais, toda cidade, grande ou pequena, possui uma
praça de apresentação, e por que não Poço Redondo?”.
Segundo informou-me uma filha de Dona Mazé, a
administração municipal já mandou avisar que a máquina passará por cima de tudo
e no lugar do canteiro o negrume do asfalto brilhará debaixo do sol. Sei que
assim acontecerá, pois assim sempre acontece em Poço Redondo. Nenhuma
construção, nada de bom e promissor, mas tão somente a fria e covarde
destruição.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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