Rangel Alves da Costa*
Nos dias atuais, está cada vez mais difícil
encontrar um lugar de paz para descansar, meditar, refletir sobre a realidade
da vida e rebuscar as boas recordações. Quase não existem jardins públicos,
praças arborizadas, lugares sossegados para um repouso ao entardecer.
Mais difícil ainda encontrar o silêncio, a
doce melodia da valsa do vento, o canto passarinheiro ou o esvoaçar de
borboletas e colibris. A cidade espantou suas aves, seus pássaros, suas cores da
natureza. Difícil até encontrar um banco de praça ao redor de pombos e
folhagens outonais espalhadas ao chão.
O ser humano precisa de paisagens assim,
necessita de lugares que sejam um convite à reflexão. Necessita, mais do que
tudo, de momentos onde a mente não se volte apenas para números, contas,
insatisfações, problemas e mais problemas. Ninguém consegue viver somente
ultrapassando portas e caminhando mecanicamente aos mesmos lugares, para fazer
sempre o mesmo, para o mesmo desgastante cotidiano.
O homem está tão prisioneiro das mesmices
cotidianas que se regozija com a chegada de um final de semana, com o despontar
de um feriado, com uma forçada fuga às burocracias do dia a dia. Tão carente é
de paz e de sossego, de pensamento e reflexão, que se enche de prazer ao abrir
a janela para o amanhecer ou caminhar entre os caqueiros do seu quintal.
Ante a dificuldade de fazer diferente, de
redirecionar o modo de viver em busca da paz interior, o homem começa a
planejar e faz do sonho um alento para a conquista de um dia. E se enche de
desejos que se tornam promessas. E logo lhe vem à mente paisagens de uma praia
distante, dunas e areais ladeados de um azul de mar, montanhas encantadoras que
levam aos portais do céu.
Precisa sonhar, precisa viajar, precisa passear,
precisa ir muito além do que leva a porta de casa e seus caminhos. Precisa ter
a proximidade da natureza, caminhar sobre trilhas, repousar nas pedras grandes
da beira do cais, acender um candeeiro num rústico casebre de pescador, lançar
uma rede na água pelo simples prazer de senti-la a seus pés. E abraçar a vida
desde a alva do dia, beijar a boca do sol no primeiro raio, sentir-se tomado
pela magia da lua imensa que enfeitiça a noite.
Mas são apenas sonhos e planos. Tudo muito
normal numa pessoa que não mais suporta a vizinhança da violência, do barulho,
da arrogância, da carestia, do medo. Seu paraíso é uma casa de portas e janelas
fechadas, cadeados espalhados por todo lugar, cachorros soltos pelo muro. Mesmo
assim não se sente com segurança alguma. Daí a vontade de ter asas para voar,
de dar adeus a essa gaiola, de simplesmente sair por aí sem vontade de
retornar.
Inevitavelmente, o homem vive e tem de
suportar o mal das cidades. Não há fuga por cima do asfalto e ao redor do
cimento. Ou vive o perigo de comprar o pão na esquina ou se deixa anular. Ou
vive a cruel e perigosa realidade das ruas ou abdica de vez de viver, esquece
que existe sol e lua e se contenta em avistar o mundo pelas frestas das
janelas. Até que um dia encontra um prédio de vinte andares se arvorando de
dono de todo o seu universo.
A loucura também nasce assim, do
enclausuramento escolhido para viver. A insanidade também nasce assim, do sonho
de viver diferente e ser forçado a nada realizar. Mas não somente dentro das
casas estão os amentais pela brutal realidade urbana, pois as ruas estão cheias
de loucos, malucos e até psicopatas. São pessoas presumivelmente normais, mas
que a qualquer momento, até mesmo perante um simples olhar que imaginem ser de
ofensa, transformam-se em verdadeiras bestialidades.
O que fazer então, se permanecer trancado
enlouquece e se soltar pelas ruas é conviver com um hospício? Uma saída difícil
para quem mal tem condições de pagar as vultosas contas do mês. Qualquer
passeio custa muito caro, qualquer fim de semana numa beira de praia acaba
dissipando todas as economias. E como também é uma ruptura difícil deixar a
cidade grande e ir morar de vez numa pequena cidade interiorana ou num lugarejo
perto do mato, outra coisa não há a fazer do que procurar viver às sombras do
paraíso.
Como é possível viver às sombras do paraíso? A
partir da conciliação entre o ser e o mundo que deseja para si. Não é tarefa
fácil, mas sempre possível que o homem não se deixe totalmente urbanizar pelo
simples fato de viver numa cidade grande. A pessoa precisa rebuscar seu estado
natural, sua condição simples de ser humano, seu desapego às explorações das
ruas. Necessita não deixar-se conduzir pelos apelos e reafirmar seu compromisso
com suas raízes, suas tradições, seu cheiro de terra e de gente.
Certamente que a cidade grande tudo fará para
transformá-lo em mais um ausente entre tantos. Mas não conseguirá. Se o seu
compromisso é com a feição humana e natural da existência, não haverá fumaça
que esconda o seu sol, não há edifício que esconda sua lua. E nada lhe
arrebatará de surpresa o prazer pela vida. A não ser as sombras de outro
paraíso.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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