*Rangel Alves da
Costa
No verso
do poeta, a vida é jardim perfumado pelo seu cultivo, mas há uma fase na
existência que exala o mais suave aroma do mais belo jardim em flor. Eis a fase
da vida em flor chamada adolescência, mocidade, juventude.
Moço na
idade, mocidade. Ninguém era mais inocente, não podia mais tomar banho nu na
biqueira em frente ou nos lados de casa nem era mais costumeiro brincar de
boneca de pano nem de cavalo de pau. Soltar pipa somente no pensamento. A mocidade
havia chegado. O corpo surpreendia a cada instante, o imaginário do mundo se
tornava real, dali por diante teria que se viver outra vida. Afinal de contas,
já rapazinhos e mocinhas.
Os livros,
que não têm nenhum sentimento e nenhuma saudade, dizem apenas que mocidade é o
estado ou idade de moço; é o período que antecede a maturidade sexual; é um
período de transição do estado de dependência para o de autonomia. Mais
acertado aqueles que afirmam ser a mocidade a fase da existência por
excelência, aonde tudo chega como aprendizagem e como vontade de
experimentação. O frescor, o viço próprio das pessoas moças, eis a mocidade.
Para as
meninas, não existia mocidade sem janela. Ao entardecer nas janelas é que se
pode sonhar, olhar para o horizonte e imaginar coisas bonitas que vão acontecer
nas suas vidas, olhar para os lados da rua e ver se avista o príncipe encantado
chegar. E não raro cantavam baixinho, num sussurro de voz levado pelo vento: Se
essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com
pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, só pra ver, só pra ver meu bem passar...
Há cantiga
popular mais apropriada para ser cantada pelas mocinhas vivendo a transcrição
da infância à mocidade? A casinha de madeira, a boneca de pano e os brinquedos
de ontem já estavam embalados, guardados e esquecidos em qualquer canto da
casa. Mãe eu quero um vestido bem bonito, um batom e um perfume bem cheiroso, e
não se esqueça de comprar um diário que eu preciso escrever umas coisinhas que
fico imaginando.
Não podiam
ver um espelho e lá estavam se mirando, se embelezando, se penteando. E no
diário as primeiras poesias. Primeiro a lua é bonita, o sol é luz da vida, a
vida é cheia de encantos, o mundo poderia ser melhor se... Depois os planos, os
sonhos, os objetivos: sinto em mim a primavera nascer... Mais tarde as coisas do coração, os
sentimentos brotando e a voz dos desejos expressando tantos quereres.
Noutros
tempo, nessa fase da vida os assuntos sobre sexo eram tão instigantes quanto
escondidos e apenas imaginados. Conversando com amigas da mesma idade ou mesmo
com pessoas mais velhas, as coisas proibidas causavam vergonha, muitas vezes
espanto e sempre um queimor e uma vermelhidão na pele. De tão estranho que
eram, começavam a povoar aquelas mentes sonhadoras. Aquilo só quando casar, e
filho também, só quando casar. Mas como o tempo a tudo muda!
Nas
cidadezinhas interioranas mais distantes, ainda tão longe dos modismos
televisivos, as meninas eram assim, agiam assim, sonhavam assim. E graças a
Deus eram verdadeiras matutas para o que se tem nos dias de hoje. Já
crescidinhas e em idade de namorar, mesmo assim para qualquer rapazinho se
aproximar era igual o guerreiro grego querendo invadir Troia pela porta da
frente.
Menina que
ainda não tinha tirado fedor de mijo não era para namorar de jeito nenhum. O
mundo se acabava se ao menos os pais sonhassem que elas estavam de namorico às
escondidas. Quando fosse para namorar tinha de ser à vista de todos, de modo que
as más línguas e as fofoqueiras de plantão não começassem a dizer que a filha
de fulano quer beijar sem tirar o bico da boca.
Os pais
não queriam dar esse prazer maldoso de jeito nenhum. Então elas enlouqueciam
querendo experimentar as delícias dos encontros, dos beijos e dos abraços, dos
bilhetinhos e dos poemas entregues às escondidas. Mas não tinha jeito que desse
jeito. Eram muito novinhas pra pensar em coisa de namoro. Primeiro estudar e ir
aprendendo as responsabilidades de mulher, só muito depois é que podiam sonhar
em olhar se o príncipe encantado vinha despontando pela rua.
Mas também
as espertezas da mocidade. As mocinhas sonhavam e os molecotes faziam os sonhos
acontecerem. Na escola, e lá iam eles todos desconfiados, com cabelos lisos de
brilhantina e perfumados como Toque de Amor ou Charisma, com o que tivessem
conseguido para presentear suas pretendentes: um pirulito, um pedaço de bolo de
ovos, uma fruta roubada num quintal, um papelzinho com versos rimados, uma lua
desenhada, um sol esquentando a mão.
E daí os
encontros furtivos, os primeiros beijos, os primeiros voos. Mesmo o outro lábio
não sendo tocado, confortante era a esperança de amor futuro. Ora, ela havia
correspondido ao olho piscando, ao beijo lançado pelo ar, ao sorriso encantado.
E ela olhou para trás ao virar a esquina.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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