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domingo, 17 de abril de 2016

Quando o prefeito e coronel Leontino Aroeira foi impeachmado


*Rangel Alves da Costa


Ainda hoje consta nos anais da história da região do Mundaréu a turbulenta e quase indescritível impeachmação do prefeito e coronel Leontino Aroeira. Quando ninguém sequer imaginava da existência de tal instituto de destituição de governante, muito menos naquele fim de mundo, eis que o metido a rábula e vereador Tinoquinho Boamorte tira da cartola a espada do confronto.
Antes que se passe aos meandros do processo, porque foi apresentado, bem como as consequências do julgamento, preciso será que se fale do espanto provocado quando do seu surgimento. O nome parecia coisa do outro mundo. Quase ninguém sabia o que era impeachment, ao que servia e a quem atingia, muito menos pronunciar com correção. Então o que mais se ouvia era “o impicha do coroné, “o coroné impichado”, “a impichação do poderoso”.
Leontino Aroeira, além de prefeito e maior liderança político da região do Mundaréu, era um homem poderoso de nascimento, por herança familiar. Abastado latifundiário, com propriedades a perder a conta por todo lugar, nem sabia mais quantos rebanhos possuía nem o real tamanho de sua riqueza. Acostumado a eleger prefeito, deputado, senador e governador, possuía infinita influência desde o bico da botina ao gabinete mais elevado. Contudo, melhor seria se assim continuasse, apenas elegendo seus amigos e apadrinhados.
Mas um dia, já se sentindo um tanto envelhecido, resolveu que já estava cansado de somente eleger os outros e também experimentaria o prazer de ser eleito. Quando souberam de sua pretensão, logo os bajuladores espalharam que seria candidato a governador ou mesmo a presidente. E por que não, se o homem era poderoso demais? Mas o coronel logo anunciou que não tinha desejo nenhum de sair dali, de sua terra e de seu feudo, e por isso mesmo se contentaria sendo eleito prefeito.
Foi candidato único, sozinho, sem aparecer adversário que quisesse confrontar seu poder de voto. Mas não era por isso, pois fugir ao embate significava continuar vivendo. Todo mundo sabia que teria morte certa aquele que se metesse a besta enfrentado o coronel. Ao fim da apuração, a verdade é que o poderoso teve mais votos que o número de eleitores. O juiz eleitoral silenciou diante do fato porque sabia que aquela velha prática do coronel não ia acabar tão cedo, ao menos enquanto vida tivesse. Colocar na urna quantos votos quisesse era costume usual, e não esquecida até quando o homem foi candidato sozinho.
No dia da posse, uma multidão se reuniu diante da prefeitura para receber o novo prefeito. Mas ele não apareceu. Na verdade, nunca colocou os pés ali. Mandou deixar as portas da prefeitura fechadas, pois administraria dali mesmo de seu casarão. Providenciou a transferência do cofre municipal para um dos seus aposentos e mandou que todo o dinheiro do município fosse transferido da conta oficial para sua própria conta. E tudo sob o argumento de que se antes mesmo de ser prefeito era ele quem mandava em tudo, mais agora que havia sido eleito.
Os vereadores ficavam em tempo de endoidar, mas nada podiam fazer, vez que corriam o risco de perder a língua ou outra coisa se dissessem qualquer coisa contra o homem. Mas teve um que bateu na madeira e disse alto para quem quisesse ouvir que dali em diante seria o espinho do pé do coronel. Podia morrer a mando, mas antes ia futucar a jararaca. E anunciou que juntaria todas as provas dos desmazelos praticados pelo prefeito coronel e faria com que a Câmara Municipal aprovasse sua destituição. Proporia um impeachment contra o poderoso Leontino Aroeira. E assim o fez.
Conversador, metido a entender de leis, e um dos poucos com leitura e escrita no município, apresentou à câmara um calhamaço de provas. O presidente logo perguntou se estava endoidando, pois nenhum vereador era peru de natal para morrer antes da hora. Ao que o destemido edil respondeu: “É a tirania contra a razão. Ou acabamos agora com esse poder escravocrata ou continuaremos humilhados e submetidos ao seu chicote. Também sou a voz do povo que anseia por liberdade. E duvido que o coronel tenha coragem de enfrentar a população e os vereadores se nós estivermos unidos”.
O processo foi aberto e o prefeito coronel intimado a responder as acusações. Em sua cadeira estava, em sua cadeira ficou. Tantos documentos chegassem como eram rasgados no mesmo instante. Mas por precaução, ordenou ao capataz que reunisse uns dez jagunços e fossem até à câmara ensinar àqueles safados com quantos paus se faz uma canoa. E não deixassem nenhum em pé. Contudo, não sabia o mandante que naquele momento a câmara já havia lhe destituído e o povo marchava em direção ao casarão para retomar as chaves da prefeitura, o cofre e tudo o mais. E uma multidão armada de espingarda, foice, facão, estrovenga, peixeira e até canivete.
Nem bem tomou a estrada e a jagunçada se assustou com a multidão chegando raivosa. Gritaram somente “corra coroné, fuja coroné” e se meteram no meio do mundo, abandonando ali mesmo suas armas. Quando o povo jogou as portas abaixo, encontrou o canto mais limpo, nada do coronel nem de sua sombra. Somente depois é que ficaram sabendo que havia fugido e deixado o país. A dúvida era se estava exilado em Cuba, Venezuela ou Bolívia.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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