*Rangel Alves da
Costa
Ainda hoje
consta nos anais da história da região do Mundaréu a turbulenta e quase
indescritível impeachmação do prefeito e coronel Leontino Aroeira. Quando
ninguém sequer imaginava da existência de tal instituto de destituição de
governante, muito menos naquele fim de mundo, eis que o metido a rábula e
vereador Tinoquinho Boamorte tira da cartola a espada do confronto.
Antes que
se passe aos meandros do processo, porque foi apresentado, bem como as
consequências do julgamento, preciso será que se fale do espanto provocado quando
do seu surgimento. O nome parecia coisa do outro mundo. Quase ninguém sabia o
que era impeachment, ao que servia e a quem atingia, muito menos pronunciar com
correção. Então o que mais se ouvia era “o impicha do coroné, “o coroné
impichado”, “a impichação do poderoso”.
Leontino
Aroeira, além de prefeito e maior liderança político da região do Mundaréu, era
um homem poderoso de nascimento, por herança familiar. Abastado latifundiário,
com propriedades a perder a conta por todo lugar, nem sabia mais quantos
rebanhos possuía nem o real tamanho de sua riqueza. Acostumado a eleger
prefeito, deputado, senador e governador, possuía infinita influência desde o
bico da botina ao gabinete mais elevado. Contudo, melhor seria se assim
continuasse, apenas elegendo seus amigos e apadrinhados.
Mas um
dia, já se sentindo um tanto envelhecido, resolveu que já estava cansado de
somente eleger os outros e também experimentaria o prazer de ser eleito. Quando
souberam de sua pretensão, logo os bajuladores espalharam que seria candidato a
governador ou mesmo a presidente. E por que não, se o homem era poderoso
demais? Mas o coronel logo anunciou que não tinha desejo nenhum de sair dali,
de sua terra e de seu feudo, e por isso mesmo se contentaria sendo eleito
prefeito.
Foi
candidato único, sozinho, sem aparecer adversário que quisesse confrontar seu
poder de voto. Mas não era por isso, pois fugir ao embate significava continuar
vivendo. Todo mundo sabia que teria morte certa aquele que se metesse a besta
enfrentado o coronel. Ao fim da apuração, a verdade é que o poderoso teve mais
votos que o número de eleitores. O juiz eleitoral silenciou diante do fato
porque sabia que aquela velha prática do coronel não ia acabar tão cedo, ao
menos enquanto vida tivesse. Colocar na urna quantos votos quisesse era costume
usual, e não esquecida até quando o homem foi candidato sozinho.
No dia da
posse, uma multidão se reuniu diante da prefeitura para receber o novo
prefeito. Mas ele não apareceu. Na verdade, nunca colocou os pés ali. Mandou
deixar as portas da prefeitura fechadas, pois administraria dali mesmo de seu
casarão. Providenciou a transferência do cofre municipal para um dos seus
aposentos e mandou que todo o dinheiro do município fosse transferido da conta
oficial para sua própria conta. E tudo sob o argumento de que se antes mesmo de
ser prefeito era ele quem mandava em tudo, mais agora que havia sido eleito.
Os
vereadores ficavam em tempo de endoidar, mas nada podiam fazer, vez que corriam
o risco de perder a língua ou outra coisa se dissessem qualquer coisa contra o
homem. Mas teve um que bateu na madeira e disse alto para quem quisesse ouvir
que dali em diante seria o espinho do pé do coronel. Podia morrer a mando, mas
antes ia futucar a jararaca. E anunciou que juntaria todas as provas dos
desmazelos praticados pelo prefeito coronel e faria com que a Câmara Municipal
aprovasse sua destituição. Proporia um impeachment contra o poderoso Leontino
Aroeira. E assim o fez.
Conversador,
metido a entender de leis, e um dos poucos com leitura e escrita no município,
apresentou à câmara um calhamaço de provas. O presidente logo perguntou se estava
endoidando, pois nenhum vereador era peru de natal para morrer antes da hora.
Ao que o destemido edil respondeu: “É a tirania contra a razão. Ou acabamos
agora com esse poder escravocrata ou continuaremos humilhados e submetidos ao
seu chicote. Também sou a voz do povo que anseia por liberdade. E duvido que o
coronel tenha coragem de enfrentar a população e os vereadores se nós
estivermos unidos”.
O processo
foi aberto e o prefeito coronel intimado a responder as acusações. Em sua
cadeira estava, em sua cadeira ficou. Tantos documentos chegassem como eram
rasgados no mesmo instante. Mas por precaução, ordenou ao capataz que reunisse
uns dez jagunços e fossem até à câmara ensinar àqueles safados com quantos paus
se faz uma canoa. E não deixassem nenhum em pé. Contudo, não sabia o mandante
que naquele momento a câmara já havia lhe destituído e o povo marchava em
direção ao casarão para retomar as chaves da prefeitura, o cofre e tudo o mais.
E uma multidão armada de espingarda, foice, facão, estrovenga, peixeira e até
canivete.
Nem bem
tomou a estrada e a jagunçada se assustou com a multidão chegando raivosa.
Gritaram somente “corra coroné, fuja coroné” e se meteram no meio do mundo, abandonando
ali mesmo suas armas. Quando o povo jogou as portas abaixo, encontrou o canto
mais limpo, nada do coronel nem de sua sombra. Somente depois é que ficaram sabendo
que havia fugido e deixado o país. A dúvida era se estava exilado em Cuba,
Venezuela ou Bolívia.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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