Rangel Alves da Costa*
Sentir
saudade é bom, o ruim é o chorar que vem com ela, assim dizia a velha Filó
depois de ter sua cadeira de balanço recolhida debaixo da amendoeira. Todo dia
fazia assim, e todo dia chorava. Assim que chegava o entardecer e a ventania
soprava com maior frescor, então ela pedia que alguém levasse sua cadeira até
debaixo da árvore, logo adiante da casa. Sentava, mirava as roupas balançando
no varal, depois deixava seus olhos se perderem no horizonte e, de repente, já
começava a chorar. Não dizia a ninguém sobre o que recordava, mas a verdade é
que reabria os velhos baús da memória. E dele surgiam retratos, cartas,
feições, pedaços, presenças inafastáveis e inesquecíveis. Seu falecido esposo,
seu pai, sua mãe, seus irmãos, seus filhos e parentes, vivos e mortos, todos
faziam presença no pensamento. Recordava os tempos idos, a meninice, os tempos
difíceis, as brincadeiras, as tristezas e as alegrias. Nesse velho álbum
aberto, vidas reencontradas, palavras ouvidas, lembranças revividas. E dos
olhos desciam as tintas amareladas, as cores ocres dos tempos distantes, as
ferrugens do que não existia mais. Molhadas, choradas, sentidas, dolorosamente
silenciosas como desponta a saudade.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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