Rangel Alves da Costa*
Fique
assim não, Ypoiaã. A lágrima é minha. Assim como o dia e a noite, tudo passa.
Assim como a ventania e a chuva, tudo passa. Somente a saudade fica, bem sei
disso. Tiraram o arco e a flecha, tiraram a taba e a tribo, tiraram a pajelança
e o quarup, tiraram a sabedoria antiga e o costume de um povo, tiraram a língua
e o pensamento. E como dói tudo isso. Sei que não há mais peixe grande no rio
da aldeia, sei que não há mais urucum como antigamente, nem formiga tucandeira
nem fruto silvestre. O seu povo chorava em ritual, em funeral, em festa grande,
mas agora chora por tudo, principalmente pela dor de quase nada mais ser.
Relembro a nudez original, a rede de cipó armada na oca, o fogão crepitando
histórias antigas, o cafuné e os afagos debaixo do sol da manhã. E também os
cantos noturnos, os misteriosos cantos noturnos. Seu irmão entoava a canção e o
pássaro encantado respondia em meio à floresta. Sua canoa não existe mais, bem
sei. Seu lar nativo está vazio, bem sei. Todo mundo se nega a relembrar sua
presença naquele lugar. Outro dia, li sobre você num livro. Copiei tudo e
guardei como lembrança do velho amigo. Sei sobre você muito mais do que todo
livro do mundo. Mas digo apenas adeus. E com medo de que seja despedida também
do que ainda resta de seu povo. Lá onde ninguém vê, mas todo mundo chega para
destruir.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário