SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 19 de abril de 2016

Palavra Solta - meu amigo Ypoiaã


Rangel Alves da Costa*


Fique assim não, Ypoiaã. A lágrima é minha. Assim como o dia e a noite, tudo passa. Assim como a ventania e a chuva, tudo passa. Somente a saudade fica, bem sei disso. Tiraram o arco e a flecha, tiraram a taba e a tribo, tiraram a pajelança e o quarup, tiraram a sabedoria antiga e o costume de um povo, tiraram a língua e o pensamento. E como dói tudo isso. Sei que não há mais peixe grande no rio da aldeia, sei que não há mais urucum como antigamente, nem formiga tucandeira nem fruto silvestre. O seu povo chorava em ritual, em funeral, em festa grande, mas agora chora por tudo, principalmente pela dor de quase nada mais ser. Relembro a nudez original, a rede de cipó armada na oca, o fogão crepitando histórias antigas, o cafuné e os afagos debaixo do sol da manhã. E também os cantos noturnos, os misteriosos cantos noturnos. Seu irmão entoava a canção e o pássaro encantado respondia em meio à floresta. Sua canoa não existe mais, bem sei. Seu lar nativo está vazio, bem sei. Todo mundo se nega a relembrar sua presença naquele lugar. Outro dia, li sobre você num livro. Copiei tudo e guardei como lembrança do velho amigo. Sei sobre você muito mais do que todo livro do mundo. Mas digo apenas adeus. E com medo de que seja despedida também do que ainda resta de seu povo. Lá onde ninguém vê, mas todo mundo chega para destruir.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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