Rangel Alves da
Costa*
Hoje,
quinta-feira (14/04), é comemorado o dia do café. Então, de lábios colados à
borda da xícara, pronuncio em pensamento: Bom dia, café. Como vai? Certamente
que ele vai bem e sempre desce bem desde as madrugadas dos meus dias.
Após
levantar da rede, sempre por volta das três da manhã, depois da chuvarada o
café passa a me fazer companhia. Logo após a água ferver, despejo numa xícara
sobre duas colheradas e meia de grãos solúveis, misturo bem e estará pronto o
meu primeiro café. Forte, quente, sem açúcar.
Agora
mesmo tomei mais um. Nas madrugadas amanhecidas assim, silenciosas, chuvosas,
com os horizontes ainda mais escurecidos e ruas sonolentas, nada melhor que um
cafezinho enquanto se anda de lado a outro ou o pensamento vai buscando
recordações e motivações para os instantes seguintes.
Contudo,
volto-me para o café puro, sem pão ou bolacha, sem acompanhamento qualquer. No
meu caso, sempre forte e sem açúcar. Mas há gosto pra tudo, desde o café frio
ao adocicado demais. O que importa é a força nele contida e o despertar que
proporciona depois de cada xícara.
Recordo-me
de um tempo de café em grão, batido em pilão nos quintais, peneirado e depois
despejado na chaleira de água fervente no fogão de lenha. O seu cheiro, seu
aroma e perfume, eram de encantar, verdadeiramente apaixonar. Pelos espaços
aquela fragrância forte, gorda, negra, saborosa, fascinante demais.
Nos
quintais e cozinhas interioranos costumava-se despertar com a festa do café
pelo ar. Bastava o cheiro e já se sabia de qual chaleira vinha aquele nobre e
contagiante perfume. Não raro que a vizinhança se achegava implorando um
tiquinho, um golinho, um pouquinho no fundo de xícara. E o prazer da manhã
estava garantido.
Os tempos
são outros. Praticamente não há mais café batido em pilão de quintal, fogão de
lenha e chaleira. Somente nas regiões interioranas mais distantes ainda é
possível encontrar um cheiro bom e original de café. Mesmo nos sertões
nordestinos, as facilidades do café em pó ou solúvel, industrializado,
transformaram aquela magia do amanhecer e do entardecer num ato comum de ferver
água e misturar o café.
Ainda
assim, mesmo sem o encanto de outros tempos, o cafezinho continua companheiro
inseparável das manhãs, das horas, dos dias. Dizem que há uma tríade inseparável:
café, pão e jornal. Ou ainda café, cigarro e diálogo. Ou mesmo café, cigarro e
escrita. E sempre o café.
Mas o bom
café não é aquele de mesa, ao lado do pão e da manteiga. Nem aquele sorvido
enquanto se conversa com alguém. Ou ainda aquele repousado na xícara, ao lado
da escrivaninha, enquanto a pessoa escreve. Ora, o café possui mistério, magia,
força de encantamento. E por ser assim um ritual, há de ser sorvido
solitariamente.
Sim, o
café exige solidão. Por isso mesmo que o primeiro café da madrugada ou do
alvorecer é sempre mais gostoso. E assim porque preparado lentamente, bebido
com vagar, sentindo a profundidade do sabor, no silêncio, na solidão. Daí
surgirem as memórias, as saudades, os desejos, as motivações, os passos
seguintes.
Ainda não
chegou às seis da manhã e já é o terceiro café que preparo. Nada de água quente
em garrafa térmica nem café já preparado e esperando somente ser esquentado.
Nada disso. Toda vez que desejo um cafezinho o faço no passo a passo, tudo de
novo. E saboreio lentamente antes de qualquer escrita, de qualquer afazer, de
qualquer coisa.
Beijo a
xícara antes, enquanto e depois de bebê-lo. É um amor nascido, inseparável,
verdadeiramente amado. Caloroso, afetuoso, confortante. Por isso, novamente
pronuncio: Bom dia, café. Como vai, meu amor?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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