SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 14 de abril de 2016

BOM DIA, CAFÉ. COMO VAI?


Rangel Alves da Costa*


Hoje, quinta-feira (14/04), é comemorado o dia do café. Então, de lábios colados à borda da xícara, pronuncio em pensamento: Bom dia, café. Como vai? Certamente que ele vai bem e sempre desce bem desde as madrugadas dos meus dias.
Após levantar da rede, sempre por volta das três da manhã, depois da chuvarada o café passa a me fazer companhia. Logo após a água ferver, despejo numa xícara sobre duas colheradas e meia de grãos solúveis, misturo bem e estará pronto o meu primeiro café. Forte, quente, sem açúcar.
Agora mesmo tomei mais um. Nas madrugadas amanhecidas assim, silenciosas, chuvosas, com os horizontes ainda mais escurecidos e ruas sonolentas, nada melhor que um cafezinho enquanto se anda de lado a outro ou o pensamento vai buscando recordações e motivações para os instantes seguintes.
Contudo, volto-me para o café puro, sem pão ou bolacha, sem acompanhamento qualquer. No meu caso, sempre forte e sem açúcar. Mas há gosto pra tudo, desde o café frio ao adocicado demais. O que importa é a força nele contida e o despertar que proporciona depois de cada xícara.
Recordo-me de um tempo de café em grão, batido em pilão nos quintais, peneirado e depois despejado na chaleira de água fervente no fogão de lenha. O seu cheiro, seu aroma e perfume, eram de encantar, verdadeiramente apaixonar. Pelos espaços aquela fragrância forte, gorda, negra, saborosa, fascinante demais.
Nos quintais e cozinhas interioranos costumava-se despertar com a festa do café pelo ar. Bastava o cheiro e já se sabia de qual chaleira vinha aquele nobre e contagiante perfume. Não raro que a vizinhança se achegava implorando um tiquinho, um golinho, um pouquinho no fundo de xícara. E o prazer da manhã estava garantido.
Os tempos são outros. Praticamente não há mais café batido em pilão de quintal, fogão de lenha e chaleira. Somente nas regiões interioranas mais distantes ainda é possível encontrar um cheiro bom e original de café. Mesmo nos sertões nordestinos, as facilidades do café em pó ou solúvel, industrializado, transformaram aquela magia do amanhecer e do entardecer num ato comum de ferver água e misturar o café.
Ainda assim, mesmo sem o encanto de outros tempos, o cafezinho continua companheiro inseparável das manhãs, das horas, dos dias. Dizem que há uma tríade inseparável: café, pão e jornal. Ou ainda café, cigarro e diálogo. Ou mesmo café, cigarro e escrita. E sempre o café.
Mas o bom café não é aquele de mesa, ao lado do pão e da manteiga. Nem aquele sorvido enquanto se conversa com alguém. Ou ainda aquele repousado na xícara, ao lado da escrivaninha, enquanto a pessoa escreve. Ora, o café possui mistério, magia, força de encantamento. E por ser assim um ritual, há de ser sorvido solitariamente.
Sim, o café exige solidão. Por isso mesmo que o primeiro café da madrugada ou do alvorecer é sempre mais gostoso. E assim porque preparado lentamente, bebido com vagar, sentindo a profundidade do sabor, no silêncio, na solidão. Daí surgirem as memórias, as saudades, os desejos, as motivações, os passos seguintes.
Ainda não chegou às seis da manhã e já é o terceiro café que preparo. Nada de água quente em garrafa térmica nem café já preparado e esperando somente ser esquentado. Nada disso. Toda vez que desejo um cafezinho o faço no passo a passo, tudo de novo. E saboreio lentamente antes de qualquer escrita, de qualquer afazer, de qualquer coisa.
Beijo a xícara antes, enquanto e depois de bebê-lo. É um amor nascido, inseparável, verdadeiramente amado. Caloroso, afetuoso, confortante. Por isso, novamente pronuncio: Bom dia, café. Como vai, meu amor?


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: