SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 7 de abril de 2016

AO LONGE AVISTA-SE O CONTINENTE


Rangel Alves da Costa*


Sentia uma tristeza profunda, verdadeiramente dolorosa, toda vez que alongava o olhar e, ao longe, avistava o continente.
Desde muito que não colocava os pés naquele porto, naquele cais, não caminhava pelas areias em direção ao mundo de cimento e ferro.
A ilha onde agora se isola, não foi um lugar escolhido, mas um destino achado. Embarcou sozinho ao amanhecer, adormeceu e acabou com o barco aportado naquele lugar.
Espantado com o acontecido, logo cuidou de descer e explorar a natureza convidativa que se mostrava ao redor. Areias, coqueirais, plantas e flores, silêncio e murmúrio das águas.
Somente meia hora depois se reconheceu pisando numa ilha. Estava ilhado e em local inabitado e sem qualquer construção humana. Não havia uma casinha sequer.
Gostou tanto daquela calma, daquela paz, daquele silêncio, que resolveu levantar choupana com coqueiro seco e se demorar um pouco mais, talvez uns dois ou três dias.
Certamente não faltariam água e comida, pois ali o peixe, o coco, as frutas, além da água doce escorrendo em fonte cristalina, numa nascente de água de chuva.
Os dias passavam e sequer pensava em retornar. Estava tão envolvido pelas belezas de sua ilha que nem se preocupava a quanta distância estava da terra firme, do porto de partida.
E assim foi ficando, ficando. Mas numa noite, enquanto mirava o luar e sentia na face a brisa noturna, de repente se viu entristecido e nostálgico. Estava com saudade.
Era solteiro, mas havia deixado família, amigos e a vida que ainda conseguia suportar. Precisava encontrar pessoas, conversar, sentir como andava aquela realidade deixada.
Era muito fácil resolver essa questão, pois bastava subir no barco e fazer o percurso de volta. Então decidiu que ao amanhecer daria adeus à ilha e partiria contente pelo convívio.
Adormeceu e sonhou chegando ao cais. Era o mesmo cais, com os mesmos pescadores, com as mesmas embarcações, mas tudo parecendo muito diferente. Mas por quê?
Não conseguiu decifrar o porquê. A primeira luz da manhã entrou pela fresta avisando que já era hora de levantar. Saiu da choupana e encontrou uma manhã linda e apaixonante.
Mas havia decidido partir. Sem saber a sua real localização em meio àquela imensidão de águas, subiu no coqueiro mais alto e de lá procurou avistar o destino de volta.
Lá do alto, enfim, e como uma miragem fosca, ao longe avistou aquilo que seria o continente. A sua margem, o seu porto, o seu cais, o seu lugar de terra firme. Voltaria.
Voltaria. Mas o sonho da noite lhe veio a memória, principalmente o fato de tudo parecer estar muito diferente. Ainda em cima do coqueiro, mirou mais uma vez ao longe.
Ao longe avistava o continente, mas não mais o lugar que desejaria encontrar. A paz da ilha, o sossego da ilha, o viver singelo da ilha, tudo confrontava o continente.
A violência, a feiura das coisas, a brutalidade, a insensibilidade, a arrogância, o desrespeito, a insegurança, as vaidades, os egoísmos, as corrupções, tudo de ruim.
A correria, o desassossego, a pobreza, a imundície, a carência de tudo, as espertezas humanas, as ferocidades nas relações, as portas e janelas trancadas, tanto mais de ruim.
Por que, então, deixar aquela ilha de paz e sossego e novamente se embrenhar numa selva de feras? Por que deixar o bem pelo mal e a segurança pela incerteza a cada passo?
Por que retornar para o desemprego, para a injustiça, para a covardia? Por que desembarcar para colocar os pés em estradas de espinhos e em meio a labirintos vorazes?
Desceu do coqueiro, calmamente, pensativo, como se ainda estivesse ao longe o continente. Então encontrou no embornal papel e caneta e escreveu uma carta.
Carta não, apenas algumas palavras. Depois soltou as amarras do barco e lançou-o na direção do continente. Para seguir sozinho e chegar, acaso as águas ensinassem o caminho.
E o barco foi, seguiu levando a carta: “Ao longe avistei o continente. Tão perto e dentro de mim está uma ilha. Quero ser pequeno, mas quero ser meu mundo...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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