Rangel Alves da
Costa*
Sentia uma
tristeza profunda, verdadeiramente dolorosa, toda vez que alongava o olhar e,
ao longe, avistava o continente.
Desde
muito que não colocava os pés naquele porto, naquele cais, não caminhava pelas
areias em direção ao mundo de cimento e ferro.
A ilha
onde agora se isola, não foi um lugar escolhido, mas um destino achado.
Embarcou sozinho ao amanhecer, adormeceu e acabou com o barco aportado naquele
lugar.
Espantado
com o acontecido, logo cuidou de descer e explorar a natureza convidativa que
se mostrava ao redor. Areias, coqueirais, plantas e flores, silêncio e murmúrio
das águas.
Somente
meia hora depois se reconheceu pisando numa ilha. Estava ilhado e em local
inabitado e sem qualquer construção humana. Não havia uma casinha sequer.
Gostou
tanto daquela calma, daquela paz, daquele silêncio, que resolveu levantar
choupana com coqueiro seco e se demorar um pouco mais, talvez uns dois ou três
dias.
Certamente
não faltariam água e comida, pois ali o peixe, o coco, as frutas, além da água
doce escorrendo em fonte cristalina, numa nascente de água de chuva.
Os dias
passavam e sequer pensava em retornar. Estava tão envolvido pelas belezas de
sua ilha que nem se preocupava a quanta distância estava da terra firme, do
porto de partida.
E assim
foi ficando, ficando. Mas numa noite, enquanto mirava o luar e sentia na face a
brisa noturna, de repente se viu entristecido e nostálgico. Estava com saudade.
Era
solteiro, mas havia deixado família, amigos e a vida que ainda conseguia
suportar. Precisava encontrar pessoas, conversar, sentir como andava aquela
realidade deixada.
Era muito
fácil resolver essa questão, pois bastava subir no barco e fazer o percurso de
volta. Então decidiu que ao amanhecer daria adeus à ilha e partiria contente
pelo convívio.
Adormeceu
e sonhou chegando ao cais. Era o mesmo cais, com os mesmos pescadores, com as
mesmas embarcações, mas tudo parecendo muito diferente. Mas por quê?
Não
conseguiu decifrar o porquê. A primeira luz da manhã entrou pela fresta
avisando que já era hora de levantar. Saiu da choupana e encontrou uma manhã
linda e apaixonante.
Mas havia
decidido partir. Sem saber a sua real localização em meio àquela imensidão de
águas, subiu no coqueiro mais alto e de lá procurou avistar o destino de volta.
Lá do
alto, enfim, e como uma miragem fosca, ao longe avistou aquilo que seria o
continente. A sua margem, o seu porto, o seu cais, o seu lugar de terra firme.
Voltaria.
Voltaria.
Mas o sonho da noite lhe veio a memória, principalmente o fato de tudo parecer
estar muito diferente. Ainda em cima do coqueiro, mirou mais uma vez ao longe.
Ao longe
avistava o continente, mas não mais o lugar que desejaria encontrar. A paz da
ilha, o sossego da ilha, o viver singelo da ilha, tudo confrontava o
continente.
A
violência, a feiura das coisas, a brutalidade, a insensibilidade, a arrogância,
o desrespeito, a insegurança, as vaidades, os egoísmos, as corrupções, tudo de
ruim.
A
correria, o desassossego, a pobreza, a imundície, a carência de tudo, as
espertezas humanas, as ferocidades nas relações, as portas e janelas trancadas,
tanto mais de ruim.
Por que,
então, deixar aquela ilha de paz e sossego e novamente se embrenhar numa selva
de feras? Por que deixar o bem pelo mal e a segurança pela incerteza a cada
passo?
Por que
retornar para o desemprego, para a injustiça, para a covardia? Por que
desembarcar para colocar os pés em estradas de espinhos e em meio a labirintos
vorazes?
Desceu do
coqueiro, calmamente, pensativo, como se ainda estivesse ao longe o continente.
Então encontrou no embornal papel e caneta e escreveu uma carta.
Carta não,
apenas algumas palavras. Depois soltou as amarras do barco e lançou-o na
direção do continente. Para seguir sozinho e chegar, acaso as águas ensinassem
o caminho.
E o barco
foi, seguiu levando a carta: “Ao longe avistei o continente. Tão perto e dentro
de mim está uma ilha. Quero ser pequeno, mas quero ser meu mundo...”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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