Rangel Alves da
Costa*
Que
rasguem os manuais, as etiquetas, os métodos e os procedimentos. O ser humano
não nasceu para ser vigiado nem conduzido. A liberdade está para a natureza
humana como o direito natural àqueles que fazem suas próprias leis de convívio
e sobrevivência.
Inadmissível
que após nascer livre, de repente a vida passe a ter de se ajustar segundo as
conveniências dos outros. Andar descalço é feio, espreguiçar-se é feio, não
querer cumprimentar é feio, não chamar o de anel de doutor é feio, não
silenciar ante o poder é feio, tudo é feio.
Coisas
absurdas vão sendo impostas que acabam transformando o homem livre num ser
aprisionado de quase tudo. Tirar a camisa no meio da rua é feio, não beijar a
mão do padre é feio, não se benzer ante a igreja é feio, comer com a mão é
feio, encher o prato demais é feio, dizer a verdade é feio, mandar a faladeira
procurar o que fazer é feio, tudo é feio.
Tudo tem
de ser segundo as regras sociais impostas. Do contrário, será feio, proibido,
inconveniente, inadequado, mal-educado. Nesse passo, ao homem não é permitido
escolher seu próprio certo ou errado. Acaso faça valer seu desejo, será sempre
errado aquilo que a sociedade impositiva achar como errado. Quer dizer, é um
beco sem saída.
Há
privações de liberdade em quase tudo. O homem não nasceu assim, regrado,
submisso, socialmente escravizado. Nasceu livre, com seu direito natural e o
poder de prevalência de seu desejo sobre as conveniências sociais. Ora, o que é
a nudez senão a vestimenta natural, pois não há tecido mais belo que a pele
humana?
Mas, por
imposição de uma sociedade falsamente puritana, proibiu-se a nudez como
expressão normal da vida. Diz-se, então, de atentado violento ao pudor, de
promiscuidade, de ato obsceno. Contudo, há de se observar que o despudor ou a
obscenidade está precisamente naquele que assim enxerga, com intencionalidade
no olhar, e não no corpo nu em si.
Por isso
mesmo que as amarras senhoriais impositivas vão sendo quebradas pelo próprio
tempo. As novas realidades vão se cansando das imposições e se desfazendo dos
grilhões puritanos e conservadores. E os senhores da moralidade e dos
regramentos sociais têm de suportar calados as atitudes adolescentes e de todos
aqueles que se cansaram das velharias.
Os tabus
vão sendo incessantemente quebrados, as regras vão sendo refeitas, os costumes
vão se modelando segundo os novos tempos. Tiveram de reconhecer que adultério
não é crime, que é apenas safadeza daquele que trai. Tiveram de reconhecer que
o jovem de hoje já não é a criança de ontem e que sua idade de escolha já não e
mais a mesma.
Noutros
idos, qualquer atitude além da normalidade imposta era caso para internamento
em hospital psiquiátrico. Só mesmo maluco para ter os cabelos longos e
desgrenhados, para andar sempre descalço, para escolher a natureza como lar e
deixar para trás os regramentos urbanos. Conversar com plantas, bichos e
pássaros era caso para camisa-de-força.
Comprovado
está que o homem é um ser indomável. Ele só se doma a si mesmo, e não há outro
que o submeta interiormente. Mesmo os grilhões, as chibatas e os açoites,
jamais conseguiram retirar-lhes seu desejo de liberdade, de ser o que é e de
fazer o que bem desejar. E toda tentativa de aprisionamento de anseios e sonhos
se reverterá em retribuições dolorosas.
Que o
homem seja o seu próprio lobo, seu próprio pássaro, seu próprio vento. O ser
humano não nasceu nem para ser medida nem esquadro. Seus limites são de sua
competência absoluta. Desde que não afete o outro, estará sempre completamente
livre para fazer o que quiser, o que bem entender.
Nada mais
ditatorial que moldar como as pessoas devem ser, o que podem ou não fazer, como
devem se comportar. Repugna, recusa-se veementemente, toda tentativa de limitar
o outro dentro de interesses pessoais, de afirmar o que está certo ou errado,
de impedir que siga na vida o caminho que desejar.
Assim como
o Estado retira do ser humano parte significativa de sua liberdade, também
outras pessoas se arvoram no direito de querer nortear a ação do próximo e censurá-lo
toda vez que fuja de seu espelho. Mesmo que tudo seja na base do faça o que eu
digo, mas não faça o que eu faço.
Quanto a
mim, apenas vivo, e distante dos manuais. Desejo cada vez mais conversar com
pessoas e muito mais com as plantas, os bichos, os seres inanimados. Sei que a
pedra ouve, e por isso dialogo com ela. E converso muito comigo mesmo, no
silêncio e na palavra. E não sou maluco. Mas tanto faz que assim pensem. Vivo o
meu mundo, apenas.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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