SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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terça-feira, 12 de abril de 2016

NEGRA, A COR


Rangel Alves da Costa*


A noite vestiu-se de negro e sobre sua cor espalhou o brilho e a luz que encantam e apaixonam. Há a lua, há o céu estrelado, há pontinhos faiscantes que instigam a imaginação, mas tudo somente possível pelo negrume da pele noturna.
Quanta fidelidade, originalidade, pureza e autenticidade na cor negra. Nada de cor escura, de pele de força morena ou tez enegrecida, vez que a cor negra é tão única e tão bela que não deveriam mencionar meios tons ou mais tons na sua paisagem: apenas negra.
Negra é a cor, uma cor, apenas cor dentre tanta cor. Mas cor que vai além de qualquer cor, pois também raça de raiz mais profunda. Um dia, negro sangrando na cor. No passado, negro lanhado na cor. Quase sempre, negro negado pela cor. Mas que cor é essa?
A cor do mistério, da força, do poder. Não há outra cor que possua mais riqueza e ânimo que a cor negra. Cor de sofrimento, de luta, de esperança, de tenacidade. E não haveria tamanha perseguição se não se reconhecesse a sua grandeza.
Deuses e deusas escravizados, aprisionados nas inglórias do mundo, mas rompendo os grilhões e novamente sendo deuses e deusas da sua e de toda raça, nos mistérios, nas magias e nos cantos que ainda ecoam debaixo de toda lua. O ébano mágico que cintila ao sol.
Uma deusa mulher, uma deusa negra. Uma deusa africana, uma deusa entre nós, uma deusa que sobe ladeira e caminha no asfalto, que lava e passa e desfila na passarela, espalhando seu altar dentro de cada olhar que não pode negar a beleza de tanta beleza.
Um retrato eu vi de uma jovem negra. Ainda está aqui na recordação. Mas se abro a porta reencontro o álbum e tanto me admira a realidade. Olhos grandes, brilhantes, vivazes. Lábios moldados em argila em perfeita forma. Um lenço colorido na cabeça e brincos grandes caindo quase aos ombros. E ela sorria para mim.
Oh minha bela negra. Não sei de minha cor, mas quero ser negro. Quero ser a cor de toda sua cor e de toda sua pele ter a minha pele. E numa pele só ser apenas negra, e negra como a noite que não esconde a cor.
Não, não se disfarce em outra cor, não se invente noutra raça nem noutra raiz. Negra é além da cor para ser o brilho, negra é além da feição para ser a verdade, negra vai muito além de uma tonalidade na pele para ser a própria pele aflorada em altivez: o orgulho da cor.
A cor negra não finge nem transmuda sua cor. É força no sangue tingido de honra e orgulho. A rainha d’África jamais disse que seu sangue nobre era azul, pois vermelho como o de todo ser. A rainha Nagô tinha na cor da pele a soberania maior. E sempre respeitada.
Certa feita, quando perguntada por que daquela cor tão escura, a bela mocinha apenas respondeu: Mas duvido que feche os olhos e não sinta a minha ausência.
E sobre a face negra mais negra da negra, o poeta escreveu: e diante de mim uma majestade que se impõe em reinado pela beleza da pele e sinceridade do olhar que lhe parece como um espelho: e como tudo está dentro dele...
Negra é a pele da noite, de negrume é a pele da doce fruta, negra é a cor de todo olhar quando repousa para sonhar. E na pele negra a nobreza pujante e soberana da raça.
O rei Salomão, como eu, também reconheceu sua incomparável beleza. Quando uns diziam que era apenas negra, o filho de Davi repetia que és negra e formosa. O sol não resplandeceu sobre ti para enegrecer sua pele, adormeceu no teu seio e o beijou como dádiva de amor.
Assim negra, resplandecida de sol, sequer imagina que és a mais bela e formosa entre as mulheres. Das palavras do Livro, apenas reafirmo que formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu pescoço com os colares.
Ante sua presença, negra linda, qualquer negra de toda e qualquer cor negra, o rei ordenará que se cumpra a profecia: Na face daquela onde somente a cor negra avista, eis que encontrará tão soberana formosura que as joias do reino a ela se ajoelharão.
E logo será escrito um novo Cântico dos Cânticos: Ao teu lado deitei e envolvido na tua pele púrpura, imaginei sonhando ser a lua que não consegue viver sem ser abraçada ao seu manto escurecido e repleto de estrelas.
Eis, enfim, o mistério revelado. Se todo ódio traz um desejo oculto, então era por não ser assim, na cor negra, que a lassidão do mundo fez erguer o tronco para sangrar sua vida, sua honra e sua liberdade.
E foi a beleza negra que desmoronou os casarões e as sanhas conservadoras. Aquelas senhoras com suas roupas enfeitadas e perfumes franceses se tornavam ridículas ante a negra que passava de flor no cabelo e lua no olhar.
Beija-me a face e a boca com teu lábio negro, com teu beiço negro, com toda tua cor. E servo da tua beleza, apenas direi: oh como sinto a lua e as estrelas!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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