*Rangel Alves da
Costa
Além da
alcunha de rei do cangaço e da patente de Capitão, em Lampião caberiam muitos
outros codinomes: o indecifrável, o insepulto, o misterioso, o eterno
desconhecido. Sobre o guerreiro e líder maior das caatingas ainda recaem
verdadeiras teorias conspiratórias: suas tantas vidas, suas tantas mortes, suas
sombras que permanecem debaixo do sol e da lua. Certamente não há personagem
cuja história seja mais instigante do que a desse que ora é herói e ora é
bandido, e vice-versa.
O homem, o
cidadão sertanejo Virgulino Ferreira da Silva, filho de José Ferreira da Silva
e Maria Lopes de Oliveira, já morreu, não há dúvida. Nascido talvez em 1897 ou
1898, portanto há cento e dezoito ou cento e dezenove anos, já não teria forças
físicas e orgânicas para continuar vivendo, principalmente pela sua exaustão em
muitos momentos. Sua morte é, assim, o único fato tido como incontroverso, pois
os demais estão quase todos envoltos em polêmicas e contradições.
O exato
ano de nascimento é apenas um dos tantos debates que envolvem sua história. Seu Registro Civil consta o ano de 1897, mas
sua Certidão de Batismo (Batistério) consta o ano de 1898. Atualmente, se
aceita a data constante do Batistério como a correta. Não obstante isso, muitos
são os escritos dando conta de outras datas, indo mesmo além do ano de 1900. E
não por invenção do escritor, mas porque colheu como veracidade a informação
repassada.
Problema
de igual monta se relaciona ao dia de seu nascimento. Seu Batistério sinaliza o
04 de junho de 1898 como aquele em que Dona Maria Lopes deu a luz. No entanto, no
seu Registro Civil consta o dia 07 de julho de 1987, documento este que fez com
que muitos passassem a ter essa data como a correta. Mas é mera questão lógica.
Ora, o menino Virgulino no poderia ter sido batizado um ano antes do seu
nascimento.
Mas ainda
não se chegou a verdadeiro consenso sobre as datas envolvendo o nascimento de
Virgulino. No livro “Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro”
(EdUSP, 2006), a escritora Élise Grunspan-Jasmin procura sintetizar o
emaranhado dessa questão, e cita:
“Nos
limites de uma história familiar, em que as referências variam segundo os
relatos porque dotados de uma dimensão simbólica, é difícil atribuir a Lampião
pontos de referência temporais precisos: como estabelecer um começo, um fim?
Quando uma personagem toma essa dimensão histórica, fixar a data de seu
nascimento ou a data de sua morte de maneira precisa equivale a identificá-la
com o comum dos mortais. No caso de nosso herói, os registros de estado civil e
de batismo (há vários), os versos da literatura de cordel e os testemunhos
orais indicam as mais diversas datas de nascimento, seja em 1893, em 7 de julho
de 1897, em 12 de fevereiro de 1898, em 4 de março de 1898, em 4 de junho de
1898, em 4 de julho de 1898, em 7 de julho de 1897, em 1898, em março de 1900,
em 12 de fevereiro de 1900, em meados de 1900, em 15 de junho de 1900, em 1905...”
(2006, pp. 43-44).
O ano de
1893 é citado pelo Diário de Pernambuco de 12/12/1936 (“Lampeão tem 42 anos e
ainda está forte, levando uma vida tão acidentada”). O dia 7 julho de 1897 é
citado por Aglae Lima de Oliveira no livro Lampião: Cangaço e Nordeste. O dia
12 de fevereiro de 1898 é citado por Felipe de Castro (Derrocada do Cangaço no
Nordeste, 1976, p. 88). O dia 4 de março de 1898 é citado no Diário de
Pernambuco de 20/3/1928. O dia 4 de junho de 1898 é citado por Estácio de Lima
(O Mundo Estranho dos Cangaceiros: Ensaio Bio-sociológico, 1965, p. 142). O dia
4 de julho de 1898 é citado por Frederico Bezerra Maciel. Para Antônio Amaury e
Vera Ferreira, Lampião só poderia ter nascido em 1898 (O Espinho do Quipá:
Lampião, a História, 1997, p. 27). O dia 12 de fevereiro de 1900 é citado por Ranulfo
Prata (Lampeão, 1934, p. 24) e Leonardo Mota (No Tempo de Lampião, 1967, p.
16). E muitos outros autores citam datas diferentes para o nascimento de
Lampião. Mas qual a verdadeira?
Ainda
segundo Grunspan-Jasmin, “Existem divergências quanto ao local exato de
nascimento de Virgulino, seria ora em Triunfo, ora em Mata Grande, ora na
Fazenda Ingazeira, no município de Vila Bela, ora no sítio Matinhas, próximo de
Vila Bela, ora no sítio Passagem das Pedras, na região do Riacho do Navio,
distrito de Carquejo, em Pernambuco, ora no sítio Serra Vermelha” (2006, p.
46). Mesmo com as controvérsias, ponto pacífico é que Virgulino nasceu no
sertão pernambucano, na região de Pajeú, berço de nascimento de tantos outros
vultos da saga cangaceira nordestina.
Mas os
questionamentos não acabam aí. Para embaralhar ainda mais o emaranhado deixado
pelo Capitão, muito ainda se debate sobre o porquê e como surgiu o apelido
Lampião, como se deu o ferimento que lhe afetou o olho direito, e a maior de
todas as questões: como morreu Lampião? A maioria comunga ter sido na Gruta do
Angico, naquele fatídico alvorecer de julho de 38. Alguns conspiradores afirmam
a morte por envenenamento, citando até cada passo da trama. E há até quem
afirme que o Capitão nem lá estava durante o episódio. E mais recentemente uma
história sem pé nem cabeça insinuando que o rei cangaceiro passara toda sua
velhice nas Minas Gerais. Por falar em loucura, não se pode se esquecer daquele
que jurou ter o Capitão simplesmente sumido no ar ante a chegada da volante, e
desaparecido como uma bruma silenciosa.
Por fim,
foi herói ou bandido, justiceiro ou frio e cruel matador? Neste aspecto, é a
História a dona da razão. Tudo o que o homem disser será por exercício de
conveniência ou de paixão. Mas o Tempo, pela voz da História, já disse: Sinta
na pele a sua dor para saber se ele estava brincando de sofrer.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário