*Rangel Alves da
Costa
Nascido em
família tradicionalmente religiosa, tendo desde cedo recebido os fundamentos
cristãos, também desde jovem que começou a se preocupar com a salvação e a vida
após a morte. Na sua mente, o comportamento humano sobre a terra, evitando o
pecado e a desonra, talvez fosse como uma chave facilitadora da entrada no
paraíso. Mas não somente isso.
Era
preciso garantir sua subida ao céu a todo custo. Noites e mais noites
acordadas, entre sonhos e pesadelos, imaginando como seria a morte pecadora e
após ela os contínuos sofrimentos dos expurgados da salvação. Uns seguindo por
uma estrada em brasas, outros caminhando entre flores e coros angelicais. E
repetia a si mesmo que tudo faria para que o seu passo jamais fosse desviado da
luz para a escuridão.
Católico
fervoroso, obediente aos ensinamentos, fazia suas preces pontuais, carregava
uma cruz de madeira sobre o peito, não perdia uma missa sequer. Lia e relia os
evangelhos, os salmos, as lições sagradas. Servidor do próximo, fraterno com
quem encontrasse, tudo fazia para não se sentir desviado daquela estrada de
flores. Mas ainda assim continuava temendo os desvios após a morte.
Então, já
passado dos sessenta anos, eis que começou a olhar para o alto, para o céu, com
uma constância de se estranhar. No umbral da janela, sentado na cadeira de
balanço debaixo da tamarineira, passando o tempo no banco da praça, ao invés de
mirar os arredores se mantinha de olhos voltados para o alto, como a procurar
qualquer coisa. Mas não procurava nuvem, passarinho ou a infinitude
indecifrável, e sim imaginando qual seria a distância da terra até o céu.
Cada vez
que olhava era como se imaginasse centenas de metros, quilômetros, distâncias e
mais distâncias. Queria mesmo saber a distância entre o chão de sua casa até a
porta do céu. Isso mesmo, subindo e subindo cada vez mais, como poderia
alcançar os portais do paraíso. E assim porque há muito tempo planejava
construir uma escada que chegasse até lá. Subiria, degrau a degrau, até
alcançar seu lar de eternidade.
Não
demorou muito e começou a colocar seu plano em ação. Viúvo, vivendo sozinho,
ainda assim os filhos começaram a estranhar quando faziam visitas e sempre o encontravam
ao lado de serrote, madeira, pregos, sempre juntando pedaços, batendo, pregando.
Quando um dos filhos perguntou o que tanto fazia, a resposta tida foi simples:
estou fazendo uma escada. Uma ótima atividade para passar o tempo, completou o
filho. Contudo, não sabia que não era apenas uma escada, mas várias, muitas.
Quase todo
o dinheiro da aposentadoria era gasto com madeira e pregos. Quase não saía mais
de casa na dita ocupação de serrar, bater, pregar. Fazia uma escada após outra
e cada uma que ficava pronta era colocada deitada num velho salão ali mesmo no
quintal. Acumulava escadas como se acumulam sacos, fardos, velharias. E não
pensava em parar o ofício até que suas forças permitissem. Quando sentisse que
já estava fragilizado demais, então juntaria suas últimas forças para pregar
uma escada na outra, sempre para o alto, e depois subiria até o céu.
Cansando-se degrau a degrau, seu último suspiro seria já à entrada do paraíso.
E estaria salvo. Assim imaginava.
Contudo,
estranhando a ausência do religioso às suas missas, o sacerdote resolveu
visitá-lo para saber se estava bem. Questionado pelo padre, pensou em inventar
uma desculpa qualquer, mas logo recordou do pecado da mentira. E se mentisse
não subiria nem dois degraus. Tinha que contar a verdade, não tinha saída. Ou a
verdade ou a perdição. Contou tudo e muito mais detalhadamente acerca das
escadas que estava construindo para chegar ao céu.
Diante do
relato, imaginando a loucura tomando aquele bom senhor, o padre se fez de Tomé
e pediu para conhecer as escadas. Estavam lá, empilhadas, tomando todos os
espaços. Ante tal visão, o padre se fez cabisbaixo e assim permaneceu logo
tempo, em seguida, já fora do salão, começo a olhar para o alto. E olhou e
olhou. Depois se voltou para o velho e sorriu, docemente. Olhou no fundo dos
seus olhos e disse:
“Meu bom
amigo, milagres acontecem à nossa presença. E veja o que eu vi. Olhei para o
alto e vi sua escada subindo, subindo, cada vez mais nas alturas, e você
subindo degrau a degrau em direção ao céu. Mas ao chegar Deus o disse: Volte!
Não é por escadas que se chega ao céu, mas pela caminhada na terra. Salvo
estará todo aquele que reconhece no grão da terra a face do Pai. E toda sua
vida foi de reconhecimento, por isto a terra mesmo o salvou. Aqui chegará na
poeira do tempo, quando o seu grão em pó se tornar”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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