MENINA FIQUE ASSIM NÃO!
Rangel Alves da Costa*
Todo mundo sabe, conhece e sente quando as flores estão entristecidas, as borboletas voam sem alegria, os ninhos estão abandonados, a natureza está angustiada e sofrida. Com as pessoas estas percepções são ainda maiores, pois basta ver o olhar, sentir as marcas na face e ter a certeza do sofrimento que se espalha pelo corpo inteiro.
A menina fingia que não sofria; a menina sofria e não dizia; a menina corria do sofrimento; o sofrimento a menina afligia. Pobre menina que não queria que ninguém ficasse sabendo, ou sequer imaginando, do seu sofrimento, da sua angústia, da sua solidão, da sua agonia.
Mas não adiantava fugir da realidade. De início, as marcas do sofrimento da menina estavam por todo lugar ainda não visível à percepção humana, pois presentes somente nas orações, nos salmos, nas velas acesas no cantinho do quarto, nas mãos unidas em preces, no olhar o firmamento para ver se o sol, a lua, as estrelas e todos os astros podiam ajudar.
Depois não teve jeito mesmo, pois as marcas físicas e materiais começaram a se tornar visíveis e a menina expressava seu canto de dor onde o instante lhe permitisse. Caminhar por entre os canteiros do jardim e ainda assim não ter o mínimo encorajamento de tocar ou colher uma flor já era sinal de desprezo aos encantos da vida.
A agenda, tão amiga e confidente, tão cheia de palavras bonitas, poesias e pensamentos de amor, com desenhos de castelos e um príncipe voando num cavalo encantado, de repente se transformou num caderno triste e sombrio. Nada mais rimava com ardor, sabor, amor, mas somente com pavor, terror, temor...
Seus pais, irmãos, parentes e amigos pensaram que você atravessava por alguns daqueles dias difíceis que todo mundo tem de suportar na vida. Depois do tempo nublado e das tempestades, o sol voltaria a brilhar e o encanto e o sorriso voltariam na face da menina, pensaram. Mas depois que a porta do quarto não se abria mais, então é que perceberam que a luz não estava brilhando mais a menina.
O quarto sempre fechado conhecia bem a razão da tristeza que sustentava a menina. Não dizia nada para não ferir a amiga, mas também não suportava mais vê-la com lágrimas nos olhos, chorando silenciosamente, conversando sozinha, dizendo muitas coisas a alguém que não estava ali.
Quando ela seguia em direção à janela, tudo lá fora ficava comentando sobre aquela situação. O vento parava ao seu redor e ficava soprando nos seus cabelos para ver se surgia qualquer ar de satisfação; os passarinhos chegavam cantando para tentar alegrar a amiga; o jardim parecia ganhar vida para ficar mais bonito aos seus olhos. Contudo, o que se via eram lágrimas descendo pelos olhos, encharcando a face e deixando feia a menina bonita.
Tudo isso porque um dia cedinho a menina linda levantou e não encontrou o seu espelho antigo, presente de sua avó, no lugar de costume na parede do quarto. Cismou que haviam tirado o espelho dali, quebrado e jogado no lixo, porque ela era feia e meninas feias não devem ter espelhos para estar se olhando.
Quando o espelho que seus pais retiraram para mandar restaurar for colocado novamente na parede e ao acordar você quiser confirmar o quanto é linda e continua bela, verá que o único motivo para a tristeza e aflição nessa vida é quando a gente começa a ter a certeza que um dia não poderá mais poderá se olhar no espelho.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Olá, Rangel, tudo aí? Parabéns pelo blog, que está muito bacana, afinal você é filho de peixe. Vc sabe que sou fã de Alcino, que tem um amor infinito pelo nosso belo sertão e sabe colocar isso nos seus livros com um simplicidade e ternura. Grande abraço!!
Digo: com simplicidade e ternura.
Ah, veja meu blog:
http://www.luccorreia.blogspot.com/
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