Rangel Alves da
Costa*
Qualquer
poeta, filósofo ou sujeito, poderia dizer: Difícil amar em meio às dores da
guerra, impossível sorrir enquanto a lâmina fere a pele, impensável varais de
roupas secas e esvoaçantes embaixo de chuva. Ou ainda: Ninguém se imagina
recebendo flores no cais enquanto o barco está afundando em meio à tormenta. Do
mesmo modo, ninguém é tão bíblico assim para continuar repetindo que bata mais,
esbofeteie a outra face, mais ainda e mais.
Ora, os
sentimentos também morrem. E morrem todas as vezes que a pessoa sinta
impossibilitado de sensibilizar-se perante as situações de vida. Corações
existem que se fecham e se guardam em porões impenetráveis, sentimentos existem
que já petrificaram no ser. Contudo, nem sempre assim ocorre pela dureza do
ser, mas sim porque já não mais consegue expressar coisas boas ante as dores
que se repetem.
A pessoa
possui um limite, suporta até um estágio. Depois dessa fronteira, então tudo
será tido e visto de outra forma. Como um represamento que de repente irrompe
ou grito que se desprende da garganta por não poder mais calar, assim também o
ser humano num dado momento. Permanecer inalterado, tudo aceitando de forma
passiva, será sinal de que já não conta com reação sequer para viver.
Como diz o
ditado popular, ninguém é de ferro, ninguém é de pedra dura para suportar tudo
calado. Mas até mesmo o ferro corrói, enferruja. Também a pedra vai se
alquebrando e como pó tomará seu destino. O tempo também envelhece e todo
reinado tem um dia de fim. Em tudo isso se expõe o sentimento como ideia de
suportabilidade. Ou não. Eis que no sentimento está a medida de ação e de
reação do homem.
Certamente
que é difícil confrontar o sentimento íntimo com a insensibilidade imperante pelos
quadrantes do planeta. Os de maior sensibilidade logo começam a se perguntar
acerca da desumanidade, da intolerância, da violência, da brutalidade, da
ceifação de vidas pelos motivos mais banais. E se questionam sobre o que leva
pessoas a de repente violar a vida de outras pessoas, o que faz com que um
motivo de suposta fé seja razão suficiente para cortar cabeças.
A
sensibilidade se vê, assim, na maior das angústias. Bem poderia ignorar a dor
alheia, fazer que não tem conhecimento dos genocídios, fazer de conta que crianças
não estão morrendo nas travessias fugindo das guerras e em busca de refúgio,
desconhecer a fome e a dor de tantos, jogar tudo debaixo do tapete da
conveniência. Mas é humano, é sensível, não pode deixar de sofrer o mesmo
sofrimento daquela criança africana que rasteja em busca de um grão de arroz.
Vida,
vida, não é fácil vivê-la, principalmente se a pessoa não vive somente para si
mesma, egoisticamente, pensando somente na sua conta e no seu salário. Não é
fácil ler nos jornais o sangue jorrando pelo mundo, não é fácil saber que o
terrorismo trama a cada momento o fim da vida. Dói até estar diante da mesa,
usar uma roupa nova, sorrir, ser feliz de vez em quando. Ora, na mesa há o pão,
no armário há roupa, na face há felicidade. Mas isso basta, se adiante e muito
além aquela criancinha rasteja em busca de um grão de arroz?
Ninguém
vai consertar o mundo, diria o outro. Mas a formiga faz a sua parte sem temer a
pata do elefante. Certamente que uma pessoa comum não vai confrontar ditadores,
terroristas, senhores do mal. Mas existem outras armas para tais tipos de
enfrentamentos. O simples ato de indignação já demonstra a não aceitação, já
revela um sentimento piedoso perante o que continua ameaçando a vida humana.
Também uma
oração pela vida, pelos homens, bons e maus. Também a esperança da redenção do
planeta e de seu habitante. Mesmo que nada seja conseguido, que sejam vãos os
rogos e as orações, ainda assim a pessoa terá demonstrado seu compromisso
existencial. Um ser cujos sentimentos afloram seja no ensolarado ou nas
tempestades.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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