SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 9 de agosto de 2015

ESCREVENDO NO ESCURO


Rangel Alves da Costa*


Noite de sábado, já passando das oito da noite, Quase nove, a bem dizer. Tudo estaria normal, comigo exercendo meu prazer da escrita, se não fosse um fato pra lá de inusitado: estou escrevendo no escuro.
Sim, em plena escuridão. O que tenho de luz está na tela do notebook, e apenas isso. Tudo começou após as quatro da tarde, quando fui chamado na rede para ouvir que após um estrondo na caixa do medidor a energia havia simplesmente sumido. A partir daí começou o martírio.
Em plena tarde de sábado, muito difícil de encontrar eletricistas para resolver o problema, ainda bem que recordei de um conhecido que lida com tais problemas. Como havia perdido o número do seu telefone, não vi outra saída senão procurá-lo num barzinho onde costuma bebericar cerveja aos finais de semana.
Mas ele não estava, havia saído há poucos instantes. Mas o seu telefone de contato estava na parede do bar. Ainda bem, pensei. Imediatamente entrei em contato e dez minutos após já estava chegando de bicicleta. Já passava das cinco da tarde. Entrou, deu uma olhada geral, e logo confirmou que o caso era de curto circuito, e na rede geral.
Logicamente que perguntei o que poderia ser feito. Trocar tudo, toda a fiação, pois além de antiga está sobrecarregada demais, fui o que ouvi. E continuou dizendo que ou fazia assim ou até corria o risco de incêndio na casa. Mas insisti perguntando o que poderia ser feito naquele momento, antes da reforma geral nas instalações. Nada, foi sua resposta. O quadro é tão grave que nada pode ser feito no momento, confirmou.
Já conhecido de alguns anos, expliquei-lhe que sempre há uma solução, ao menos paliativa, em casos assim. E que ele tudo fizesse para não deixar a casa no escuro, pois já chegando às seis horas. Então ele andou de canto a outro, mexeu num fio e noutro, abriu e reabriu a caixa do medidor, e disse que o máximo que poderia fazer seria puxar uma fiação para duas ou três lâmpadas, mas o resto da casa teria de ficar no escuro.
E assim foi feito. A casa ficou com iluminação apenas numa das salas e na cozinha, mas o restante no breu. E o pior, sem o uso de televisão, computador, internet, ventilador, nada. Prometido ficou que retornaria amanhã logo cedinho, entre oito e nove horas, para ver o que pode fazer até que seja autorizada a reforma total na instalação. Como o meu escritório ficou incluído na escuridão, tive que me valer do notebook, o qual, aliás, foi carregado numa casa vizinha.
Então, eis a minha situação neste momento: sentado no birô na escuridão do escritório, tendo apenas a luz da tela do notebook como guia para que os meus dedos encontrem as teclas e produzam este texto. Mas não acendi vela nem lamparina simplesmente porque a escuridão, quando acompanhada de silêncio, acaba iluminando a mente e trazendo à reflexão muito do que jazia esquecido,
Mas também porque tal clima escurecido me faz recordar situações antigas do meu sertão. É como estivesse naqueles idos sertanejos onde as noites eram suportadas à luz do candeeiro, sob a chama da lamparina ou mesmo entre a escuridão da morada e a luz descida da lua. Os casebres distantes mostravam suas existências apenas frestas de pouca luz que se escondiam na noite.
Agora na escuridão sinto nostalgia, me vejo distante, me sinto naquele sertão que não existe mais. Quando a noite começava depois do pôr do sol e a manhã se antecipava antes de o galo cantar no quintal, toda uma existência humilde no seu afazer de toda noite fechada: o cheiro de café pela casa, a porta aberta para a lua entrar, o grilo cantando, o radinho de pilha ecoando uma doce melodia. Depois da aragem noturna e do último olhar para o alto, também a última prece da noite, e fechar a porta para o dia seguinte. A vida que continua ainda na madrugada.
Continuo aqui na escuridão, porém já muito distante de onde estou. Sinto-me no tempo dos candeeiros, das luas imensas e das antigas e belas noites sertanejas. E nenhuma luz elétrica consegue superar o encanto dessa bela e doce nostalgia.
P.S. O problema só foi resolvido após as onze da manhã deste domingo. E somente agora consegui postar tal escrito.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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