Rangel Alves da Costa*
Noite de sábado, já passando das oito da
noite, Quase nove, a bem dizer. Tudo estaria normal, comigo exercendo meu
prazer da escrita, se não fosse um fato pra lá de inusitado: estou escrevendo
no escuro.
Sim, em plena escuridão. O que tenho de luz
está na tela do notebook, e apenas isso. Tudo começou após as quatro da tarde,
quando fui chamado na rede para ouvir que após um estrondo na caixa do medidor
a energia havia simplesmente sumido. A partir daí começou o martírio.
Em plena tarde de sábado, muito difícil de
encontrar eletricistas para resolver o problema, ainda bem que recordei de um
conhecido que lida com tais problemas. Como havia perdido o número do seu
telefone, não vi outra saída senão procurá-lo num barzinho onde costuma
bebericar cerveja aos finais de semana.
Mas ele não estava, havia saído há poucos
instantes. Mas o seu telefone de contato estava na parede do bar. Ainda bem,
pensei. Imediatamente entrei em contato e dez minutos após já estava chegando
de bicicleta. Já passava das cinco da tarde. Entrou, deu uma olhada geral, e
logo confirmou que o caso era de curto circuito, e na rede geral.
Logicamente que perguntei o que poderia ser
feito. Trocar tudo, toda a fiação, pois além de antiga está sobrecarregada
demais, fui o que ouvi. E continuou dizendo que ou fazia assim ou até corria o
risco de incêndio na casa. Mas insisti perguntando o que poderia ser feito
naquele momento, antes da reforma geral nas instalações. Nada, foi sua
resposta. O quadro é tão grave que nada pode ser feito no momento, confirmou.
Já conhecido de alguns anos, expliquei-lhe
que sempre há uma solução, ao menos paliativa, em casos assim. E que ele tudo
fizesse para não deixar a casa no escuro, pois já chegando às seis horas. Então
ele andou de canto a outro, mexeu num fio e noutro, abriu e reabriu a caixa do
medidor, e disse que o máximo que poderia fazer seria puxar uma fiação para
duas ou três lâmpadas, mas o resto da casa teria de ficar no escuro.
E assim foi feito. A casa ficou com iluminação
apenas numa das salas e na cozinha, mas o restante no breu. E o pior, sem o uso
de televisão, computador, internet, ventilador, nada. Prometido ficou que
retornaria amanhã logo cedinho, entre oito e nove horas, para ver o que pode
fazer até que seja autorizada a reforma total na instalação. Como o meu
escritório ficou incluído na escuridão, tive que me valer do notebook, o qual,
aliás, foi carregado numa casa vizinha.
Então, eis a minha situação neste momento:
sentado no birô na escuridão do escritório, tendo apenas a luz da tela do
notebook como guia para que os meus dedos encontrem as teclas e produzam este
texto. Mas não acendi vela nem lamparina simplesmente porque a escuridão,
quando acompanhada de silêncio, acaba iluminando a mente e trazendo à reflexão muito
do que jazia esquecido,
Mas também porque tal clima escurecido me faz
recordar situações antigas do meu sertão. É como estivesse naqueles idos
sertanejos onde as noites eram suportadas à luz do candeeiro, sob a chama da
lamparina ou mesmo entre a escuridão da morada e a luz descida da lua. Os
casebres distantes mostravam suas existências apenas frestas de pouca luz que
se escondiam na noite.
Agora na escuridão sinto nostalgia, me vejo
distante, me sinto naquele sertão que não existe mais. Quando a noite começava
depois do pôr do sol e a manhã se antecipava antes de o galo cantar no quintal,
toda uma existência humilde no seu afazer de toda noite fechada: o cheiro de
café pela casa, a porta aberta para a lua entrar, o grilo cantando, o radinho
de pilha ecoando uma doce melodia. Depois da aragem noturna e do último olhar
para o alto, também a última prece da noite, e fechar a porta para o dia
seguinte. A vida que continua ainda na madrugada.
Continuo aqui na escuridão, porém já muito
distante de onde estou. Sinto-me no tempo dos candeeiros, das luas imensas e
das antigas e belas noites sertanejas. E nenhuma luz elétrica consegue superar
o encanto dessa bela e doce nostalgia.
P.S. O problema só foi resolvido após as onze
da manhã deste domingo. E somente agora consegui postar tal escrito.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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