Rangel Alves da Costa*
O brasileiro empobrecido, assalariado,
morador de periferia, a cada dia vive um dia daqueles. E todos os dias. É, ao
mesmo tempo, o Ulisses de James Joyce, o Hércules mitológico, o trabalhador da
música Construção, de Chico Buarque. Realmente, tudo dia ele faz tudo sempre
igual, num padecimento que só Deus sabe, num sofrimento que só ele suporta.
Chega já depois das dez e após duas estações de trem, ou sei lá quantos ônibus
até próximo à sua casa. Todo cansado, estropiado, mal tem tempo de tomar um
banho, apreciar uma janta e conversar com a família. Geralmente não tem
conversa, mas apenas reclamação da esposa. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, mas
ela bem sabe que não tem. As contas estão atrasadas, a dispensa vazia, já
faltando quase tudo. E ainda começo de mês. Nem tempo de tomar uma cachaça tem.
Antes da meia-noite já está roncando para acordar em seguida. Três da madrugada,
bem no instante em que a esposa se aproxima querendo um dengo, já tem de pular
da cama. Vai jogar água no corpo, tomar uma xícara de café com pão dormido,
embrulhar a marmita e abrir a porta. Olha de lado a outro por medo da
bandidagem. E sai quase correndo até a estação. O apito, o trem, o trampo. Mais
outro trem, mais outro aperto, mais a mesmice de sempre. Todo mundo com cara de
sono, mas tendo que ir. Pula já em cima da hora. Precisa bater o ponto ou o
salário diminui ainda mais. Então começa a lide do dia. Bate, sacode, levanta,
se esforça. Uma dor danada nos quartos, mas ninguém sequer oferece um remédio.
O suor desce-lhe, castiga, mas tem de lutar. E assim até o final do dia. E
novamente o retorno, ou a folga para retornar, num infinito retornar. E sempre.
Sobre o salário, é melhor nem citar quanto ganha.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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