SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Palavra Solta: cuscuz ralado, café torrado, ovos de capoeira...


Rangel Alves da Costa*


Nasci num sertão cheirando a terra e sobre a terra todo tipo de cheiro e sabor. Cheiro de curral, de gado berrando, de palma sendo pinicada, de bafo subindo depois dos pingos da chuvarada, de fruta madura no pomar, de araçá e sapoti, de manga olorosa e goiaba bicada por passarinhos. Um sertão tão rico e tão pobre, meu Deus. Hoje sei que muita gente vive na miséria, passa fome e até sede, sobrevive no desalento e na desolação. Que povo abandonado, meu Deus. Mas noutros tempos o sertanejo vivia muito diferente, mesmo ostentando o indigno troféu da pobreza. Era um povo que amanhecia ralando milho, catando ovos no quintal, avistando no varal a tripa de porco ou o pedaço de toucinho, que batia café no pilão e depois acendia o fogão de lenha para a gostosura da vida. O milho mais endurecido era passado no ralo para o cuscuz do amanhecer. Ou da noite também. Não demorava muito e o pano do cuscuzeiro começava a suar e no segundo depois pelos ares subia aquele cheiro gostoso e inconfundível de sertão. O café torrado era colocado na chaleira e cinco minutos depois aquele melado negro, oloroso, perfumado, se fazia de convite para a xícara de experimentação. E também a banha de porco jogada na panela para os ovos de capoeira misturados com toucinho. Uma verdadeira fartura e festa para um povo e de tal regozijo. E engolia seu café da manhã como se estivesse apreciando o sabor e o cheiro inconfundíveis do próprio chão. Um chão tão sertanejo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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