Rangel Alves da Costa*
A noite tem boca, tem boca sim. E ela começa
a se abrir quando o sol se põe e as sombras se espalham pelos horizontes. É
momento de magia sem igual. As luzes do dia vão se despedindo e as cores da
noite vão avançando. Não durará muito e o negrume abrirá a porta para o passeio
do vaga-lume. Mas um pouco antes disso, já chegando às seis horas, começa a
haver uma verdadeira transformação por todo lugar, principalmente nas regiões
interioranas sertões adentro. Nestes lugares, a boca da noite é verdadeiro
chamado a costumes e tradições, através de preces e outros preparos. Mesmo
antes das seis e a mulher lança mão de seu rosário de fé e começa a invocar a
grandeza de seu Deus e a benevolência de santos e anjos. Acende a vela,
ajoelha-se perante o oratório, então se entrega ao diálogo mais verdadeiro e
proveitoso que existe. Pede pelo filho, pelo esposo, pela família, pelo fim da
estiagem, pela paz e felicidade de todos. O fogão de lenha já estava aceso e
tendo por cima uma chaleira de café cujo aroma perfumado já começa a tomar os
espaços. O cuscuz cheira noutro fogão, em seguida será a vez dos ovos de
capoeira com toucinho, da perna de preá ou da tripa de porco. Alimento e
sustento do homem das distâncias do mundo. O homem da casa, que a essa altura
já virou duas talagadas de casca de pau, agora somente observa as cores
enegrecidas do horizonte. Mesmo na escuridão será possível perceber os sinais
de chuva. Mas apenas a lua imensa e um céu estrelado. A aragem transformada em
ventania vai trazendo as últimas folhas do dia. Um zunido adiante, uma canção
de tempo e de vento. O silêncio da noite e a paz do instante. A voz da mulher
chama para o café. No seu rosto um sinal de agradecimento. Deus é bom, imenso e
tudo, silenciosamente diz já na soleira da porta.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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