SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 29 de agosto de 2015

NOITES VELHAS


Rangel Alves da Costa*


A cada nova noite mais tenho saudade da noite antiga. Não que eu seja tão velho assim, não que eu tenha alcançado a canção da lua imensa nos tempos passados, simplesmente porque o noturno de hoje nada mais possui que encante.
Sim, no alto uma lua, na noite um céu estrelado, mas nada igual a outros idos. Noites de magia, de encantamentos, de silêncios coniventes, de encontros furtivos, de beijos roubados, janelas entreabertas e luzes apagadas.
Noites velhas de andantes, errantes noturnos, noctívagos cheirando a limão. A voz ecoando serenatas para a mulher amada, sombras detrás das cortinas com lágrimas nos olhos e apertos no coração. E uma aragem perfumada que descia a montanha para alentar os corpos afogueados de paixões e desejos.
As ruas desertas se abriam para outros caminhos. Os passos certeiros buscavam os escuros da escuridão e os braços se davam sem a palavra tomada de beijos. Pecado mortal a traição, mas salvação da alma a entrega absoluta ao amor tão escuso como verdadeiro. E os lobos uivando nos altos das montanhas tomavam as vozes gritando de amor.
Ruas desertas, praças desertas, bancos solitários, luzes amareladas caindo sobre o misterioso deserto. Mas tudo tão vivaz como o próprio dia. Dizem que na noite tudo acontece entre sombras, pois entre brumas escurecidas os gritos silenciavam em cumplicidade total. Por isso que luzes se acendendo e se apagando pelos quartos, janelas sendo abertas e fechadas, velhas canções somente ouvidas pelos corações.
Noites velhas e tão belas. Romantismo e poesia, ternura e meiguice. O vento soprando e trazendo segredos, cartas relidas e fotografias beijadas, diários sentimentais de um tempo sem véu ou disfarce. Não, jurou que jamais choraria aquela saudade eterna, mas eis que a lua entrando na fresta parece um olhar refletindo o amor.
As moças solteironas aumentavam suas febres em noites de lua cheia. Nem a nudez castigada aplacava-lhes os desejos incontidos. Com fogo sobre o corpo e chamas no coração, se lançavam aflitas num mar de lágrimas e de sofrimentos. E nem a noite escondia a tremulidade dos lábios sedentos de beijos.
As janelas eram abertas sem medo de surpresas indesejadas. Debruçadas no umbral, as solidões inventavam motivos para suportar tanta dor. Ao longe uma canção sem acorde e sem voz. Apenas a harpa da brisa chegando para dizer não sofra. Tudo como o poema drummondiano: vamos, não chores, a infância está perdida, a adolescência está perdida, mas a vida não se perdeu...
Os gatos passeavam pelos telhados em noites assim. Seus miados agourentos, seus mios apaixonados. Quase tudo encontrava um amor, até na imprevisibilidade das telhas. Mas os quartos abaixo, com camas desforradas e lenços molhados, as saudades e as solidões se entregando apenas ao mais escurecido da dor.
Lá fora, ao longe, as luzes vermelhas cheirando a sexo. Mas nem sempre assim. Ao redor duma mesa uma velha prostituta espera eternamente um homem. Qualquer um. Bebe mais um gole e deixa as bordas avermelhadas de um batom desde muito não tocado por outra boca. Num canto, esperando cliente, a rapariga novinha sequer imagina que o espelho de seu futuro está mais adiante.
De vez em quando as nuvens escondiam o luar e as noites se tomavam de breu. Não havia nem olhar nem vozes, não havia nem sombras nem encontros, não havia nem passos apressados nem reencontros, apenas sussurros, gemidos, uma estranheza de pronúncias que somente o desejo e o prazer entendem.
Quando a madrugava chegava, a noite já estava cansada de existir. Havia se dado demais, se entregado demais, amado demais. Mas também sofrido e chorado demais. E ainda assim permanecia até a manhã despertar fazendo de conta que não sabia de nada.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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