Rangel Alves da Costa*
As transformações mundanas ainda não
conseguiram afastar o respeito e a devoção enraizados na cultura e na tradição
de determinados povos. Porém não se trata de apego à sacralidade, através da
religiosidade, da fé e dos cultos. Logicamente que há um fundamento religioso
no que continua sendo preservado, mas apenas como forma de cultuar o que foi
convencionalmente escolhido como sagrado.
O respeito e a devoção ainda presentes de
forma diferenciada entre as mais diversas sociedades, certamente que vão além
dos cultos católicos. E vão além porque ainda que se comungue da crença e da
obediência à divindade católica, bem como a seus santos, anjos e mistérios,
tais povos também cultuam deuses pagãos, ritos animistas, cultos ancestrais e
uma crença mitológica tão viva que seus deuses são chamados a intervir em todos
os aspectos da vida comunitária.
Nestas sociedades há um senso ético que acaba
sendo sintetizado no respeito, na devoção e na preservação daquilo que é
considerado como essencial à vida e à sobrevivência. Há um profundo apego à
natureza, aos animais, aos elementos fundamentais do universo. Há uma intensa
valorização da semente que será lançada a terra, da fonte que corre cristalina
pelos arredores, de cada bem da vida que é obtido através da luta e do sacrifício.
Cultuam os astros, as estações, tudo que soa como mistério sagrado ao homem.
Na verdade, são povos e sociedades que desde
tempos primitivos já percorrem um caminho ético de vida e de mundo, e caminho
este que os conservacionistas e ambientalistas atuais tanto lutam para aprofundar
na consciência do homem. O compromisso com a preservação da terra, do meio
ambiente, dos recursos naturais e de tudo aquilo essencial à sobrevivência
humana, ainda que sejam emergências do tempo presente, já estava difundido
entre sociedades antigas e ainda permanece como fundamento da própria
existência.
Para se ter ideia do respeito e da devoção,
bem como do senso ético natural que continua enraizado nos povos, basta se
apontar o significado existente de um simples grão para muitas comunidades mesoamericanas.
Os mexicanos, por exemplo, não deixam que um grão de milho caia sem que se peça
desculpa. Adoram e cuidam de cada grão como se a própria vida dele dependesse.
Não plantam nem colhem, debulham e fazem uso, sem que um verdadeiro ritual seja
considerado. Um grão se torna num pequeno deus que não pode deixar de ser
cultuado.
E assim acontece pelos próprios fundamentos
da existência de tais povos. O milho foi o alimento que garantiu a
sobrevivência de gerações a gerações. Utilizado para o pão, para a broa, para o
mingau, para a cerveja, como farinha e uma infinidade de usos, passou a ser
verdadeiramente adorado, cultuado, devocionado. Eis o senso ético natural
destas comunidades. Reconhecem que do milho dependem para sobreviver e por isso
mesmo zelam por cada grão como se estivessem cuidando da vida. E assim acontece
desde as civilizações tolteca, olmeca, asteca e maia, dentre outras que
floresceram no Novo Mundo.
O culto e a devoção ocorrem ainda com relação
a diversos elementos da natureza. Para muitos povos ameríndios e desde as
primeiras sociedades pré-colombianas, a terra possui significado especial. Esta
não só permite sobreviver enquanto leito de vida como fornece tudo aquilo que o
homem necessita para sobreviver. Daí o seu sentido de sacralidade, de adoração
enquanto elemento da natureza e de onde brota toda fonte de existência. Por
consequência, há de se pedir permissão aos deuses da terra para que se lance
uma ferramenta sobre o chão e ali se deposite um grão.
Ainda hoje muitos povos pedem permissão aos
deuses da natureza para qualquer ação que provoque mudança no seu estado
natural. Não se corta um galho de árvore ou se recolhe um fruto sem que
primeiro se lance um pedido. Não há desmatamento, derrubada de árvore ou feitura
de coivara sem que um pequeno ritual garanta a concordância dos deuses. Ainda
se avista pessoas conversando com os seres da natureza, abraçadas aos troncos e
beijando árvores, ajoelhadas sobre a terra, lançadas sobre a terra como gesto
de devoção. E acaso sejam perguntadas por que assim fazem, logo se terá a
resposta mais singela possível: o bom filho agradece aos frutos da mãe.
Assim, desde os tempos mais primitivos que há
um senso ético natural entre os povos que os tornam reconhecidos como ambientalistas
natos. As lições antigas foram repassadas e ainda se mantém vivos o respeito e
a devoção aos seres e aos elementos naturais. E não seria pedir demais ao homem
moderno que faça nascer em si ao menos o mínimo de ética humana. Desta ética
certamente surgirá uma nova conduta perante si mesmo e atitudes de respeito ao
meio natural e social. Mesmo que não pretenda cultuar o grão que o alimenta,
não seria demais respeitar a terra de onde tudo brota.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
É bem verdade que tem haver respeito, cada um com sua crença,sem querer impor o outro o que vc acredita,todo mundo é capaz de fazer suas próprias escolha.
Tenha um excelente fds!
Bjos
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