SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Palavra Solta: apenas uma vela acesa...


Rangel Alves da Costa*


A morte em si atormenta demais. Mas a morte solitária é apavorante. O Velho Gercilino certamente que não poderá responder como isso se dá. Morreu sozinho e na solidão foi pranteado. Por quem? Pelo silêncio, pelo negrume da noite, pela ventania balançando a janela, pelo velho cachorro que não deixou o pé do caixão. Caixão não, quatro tábuas retangulares com uma embaixo como sustento. Morte pobre e solitária, desprezada, no desalento de tudo. Foi encontrado caído ao pé do banquinho onde costumava sentar ao entardecer. Morava sozinho, já idoso demais, e uma alma bondosa cuidou de vesti-lo em trapos e estendê-lo naquele caixote raso de madeira. Não se sabe onde tal caixão foi arranjado. Mas foi. Foi colocado por cima de tamboretes no vão da frente do barraco e ali esquecido. Havia muitas casas e pessoas pelos arredores, mas não se sabe o porquê do esquecimento daquela pobre criatura nos seus instantes de despedida. Chegou o entardecer, entrou a noite, a escuridão total. A ventania chegava, estremecia a porta, zunia lá dentro e sumia. Pessoas passavam adiante, mas ninguém entrava naquela porta. Quando a vida adormeceu e os arredores silenciaram também, o mesmo abandono continuou, sem qualquer reza ou sentinela. Apenas a solidão da morte e uma vela acesa que chamejava sem se importar com a ventania. Como a vela apareceu ali ninguém sabe. Só se sabe que até hoje ela é avistada iluminando a solidão no casebre ainda presente.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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