Rangel Alves da Costa*
O escritor e naturalista romano Caio Plínio
Segundo já dizia que nem um dia sem uma linha (Nulla dies sine linea). O que,
em termos de escrita e de literatura, significa dizer que aquele que escreve
não deve ficar um só dia sem escrever. Que não produza um texto completo ou dê
sequência ao que já vem escrevendo, mas que não deixe de escrever ao menos uma
linha.
De fato, o ato de escrever é verdadeiramente
mágico. Quem se dedica à escrita sabe muito bem o quanto é doloroso não poder
transpor para o papel, máquina de escrever ou computador, as ideias que vão
constantemente surgindo. Com qualquer outro tudo seria resolvido com o
esquecimento, mas com o escritor não. Há uma urgência no escritor que não
admite postergação ou esquecimento. Não há que deixar para depois o que se faz
chama vívida no pensamento.
E não porque as ideias que surgem na mente do
escritor surgem como encadeadas, como motes, como paisagens, cenários ou
situações que merecem ser exploradas, descritas, devidamente costuradas. Quem
escreve sabe muito bem que também na sua mente nada se perde, pois tudo será
transformado. Daí surgirem as tramas, os enredos, as motivações, os retalhos
que serão costurados na escrita.
Não sei se assim ocorre com outros, mas
minhas boas ideias geralmente surgem quando não tenho nada à mão para
registrar. Vou caminhando despreocupado e de repente me chega uma motivação, um
tema, uma imaginação pedindo para ganhar vida. Logicamente que a paisagem ou o
lugar por onde caminho ajuda muito, pois a visão de realidades cotidianas
sempre instiga à mente. Mas também com meros devaneios que vão se formalizando
com forma e conteúdo.
Como afirmado, quem não exerce o ofício da
escrita não necessita guardar na mente as ideias que vão surgindo. No passo
seguinte tudo já estará esquecido. Contudo, o escritor logo se vê ávido para
transformar em escrita aquele conceito mental, aquela cena avistada, aquele
personagem enigmático que encontrou, aquele realidade que vivenciou. A forma
como isso será feito, ou seja, o modo de dar vida ao pensamento, certamente que
dependerá da forma de escrever de cada um.
Porém surge um problema. Ou diversos
problemas. Mesmo que a pessoa ande tendo sempre um caderninho de anotações ao
alcance, as ideias e os pensamentos poderão se dissipar acaso não sejam logo
transpostas para o papel. É que quanto mais urgente for a escrita mais nítida
na mente estará a situação motivadora. Há também a questão do envolvimento do
escritor com o fato. Tudo precisa ainda estar ao menos morno para que não se
distancie daquele primeiro calor surgido.
E quando o escritor, por mais que deseje ou
esteja tomado de avidez para lançar no papel um monte de coisas, não encontra
meios para fazê-lo? Numa situação tal, a palavra, infelizmente, tem de ser
silenciada. Não só mantida em silêncio como transformada em grito sem voz. E
não raro que quanto mais está distante de meios da escrita é que surgem
contextos e motivações verdadeiramente encantadoras. Apenas se depara com fatos
e situações, dialoga com realidades que precisam ser transformadas em escritas,
mas se vê impossibilitado de escrever uma só linha.
Assim aconteceu comigo de sexta-feira até
domingo. Foram três dias no silêncio forçado da palavra. Viajei até Nossa
Senhora da Conceição de Poço Redondo, meu berço sertanejo de nascimento, e como
não levei notebook nem me sentei diante de um computador, durante três dias,
desde a viagem ao retorno, fiquei somente desenhando na mente uma infinidade de
coisas que por lá encontrei.
Ora, o sertão sempre instiga, sempre chama à
reflexão, sempre mostra realidades difíceis de serem acreditadas pelo citadino.
Mesmo tendo nascido no chão sertanejo e lá vivido até os onze anos, toda vez
que chego naquelas terras encontro motivações bastantes para todo tipo de
escrita. Tudo envolvendo a beleza sertaneja, a singeleza e a humildade de
grande parte da população, os caminhos das desditas numa terra marcada pela
esperança das chuvaradas. Mas quase sempre seco e esturricado. E também
faminto, sedento, na desvalia.
Caminhando pelos seus caminhos, entre
reencontros e buscas, a todo instante sentia falta de uma folha de papel para
escrever a vida, o antigo encantador, o novo desafiador, a paisagem que começa
numa rua asfaltada e vai se perdendo nas ruazinhas esburacadas e de sertanejas
varrendo o chão nu na esperança que a ventania do destino vá levando a tristeza
daquele dia. Uma realidade tão desafiadora que não há retrato, pincel ou
escrita ou que fielmente traduza um povo e o seu lugar. E que também é o meu
lugar e do meu povo.
E assim fiquei três dias sem uma linha. Mas
trouxe comigo um carretel de recordações. Aos poucos vou jogando tudo em cima
da almofada de bilros e tecendo a alegria e a tristeza, a vida e o sofrimento,
como se necessitasse dessa colcha sertaneja para me aquecer em noites de
saudade grande.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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