Alves da Costa*
Não sou além do que sou. Sou o contentamento
que sempre me aconselha a conhecer meus limites e desejar ser apenas aquilo que
posso ser.
Não sou além de mim nem de ninguém. Sou o
corpo, a mente, a alma, o espírito e essa chama chamada vontade de vida. Do
outro apenas compartilho o que a mim pode somar.
Não sou além do fogo e da água, do sonho e da
desesperança, da vitória e do recomeço. Desta contradição ou reconhecimento,
sempre o alimento para renascer.
Não sou além daquele que não me conhece ou do
conhecido que quer ser mais do que sou. Faço da humilde um reconhecimento e dos
pés no chão a certeza que posso ter asas.
Não sou além da lua nem do sol, mas sou muito
além da lua e do sol. Sou o que desejo ser e se quero ser além dos astros, nada
me impedirá de buscar a alegria da ilusão.
Não sou além da fome nem da sede, nem da
carência e do desejo. Humano sou, e por ser assim, um tanto desvalido e um
tanto tudo, não nego a necessidade de ter algo a mais.
Não sou além daquele mais empobrecido ou
daquele mias rico. Permaneço no próprio chão e se tiver de caminhar, certamente
será na direção daquele que mais precisa.
Não sou além duma manhã de poesia nem de uma
noite dilacerante. Tudo me soma e me conforta, me faz sorrir e sofrer, me faz
aprender a ser aquilo que necessito ser.
Não sou além daquele pássaro de fogo nem
daquele colibri procurando beijar o pólen. Não fujo nem de angústia nem da
flor, faço do espinho uma beleza que faz ferir e doer.
Não sou além de uma criança que sequer pensa
em crescer. Não deixo que a minha mente pense somente em coisas adultas e se
esqueça da bola de gude, do boizinho de barro.
Não sou além da lágrima que pela face escorre
nem do lenço que recolhe a dor. Sou a face molhada que não finge o sentimento,
mas também o refazimento para mais chorar.
Não sou além de um mar imenso, de ondas
teimosas, de distâncias infindas. E navego sem saber navegar, me lanço no azul
sem saber nadar, pois há sempre uma ilha de salvação.
Não sou além dessa tristeza que me chama a
sofrer, a chorar, a beber do fel da existência. Não serei alegre se não fizer
do espelho da dor uma imagem de transformação.
Não sou além da chuva caindo, das noites de
temporal. Não posso fugir das enxurradas, dos dilúvios. Mas hei de suportar
todo furioso mar que vier como sofrimento.
Não sou além do pão de esmola ou da comida
servida à boca faminta. Não sou além dessa degradação do ser. Eis que o que
somos não nos faz distantes da mesma carência.
Não sou além de mim mesmo quando quero ser
outro. Como tenho o outro dentro de mim, basta-me que reconheça no que sou
aquilo que no outro desejaria encontrar.
Não sou além da taça quebrada e do vinho
derramado pelo tapete. O vermelho que jorra me faz lembrar quanto vã é a vida. E
só se derramou porque houve exagero no saborear.
Não sou além do sonho alcançado nem da
esperança nas cinzas. Tudo haverá de acontecer, mas não no instante do
desejado. Há o tempo de Deus que é o tempo de tudo.
Não sou além do grão ou da montanha. Não sou
além da poeira nem do deserto em brasa. Sou apenas o vento que passa e leva
consigo o grão para montanhas construir.
Não sou além desse silêncio, dessa solidão ou
desse vazio. Tudo será preenchido com vida e voz assim que a janela se abrir e
o cais adiante murmurar um chamado de existência.
Não sou além de um poeta sem versos ou de um
bardo apaixonado declamando em meio a brumas. Sei que não há poesia sem que
haja um coração que ouça o seu silêncio.
Não sou além desse alguém sem nome, sem
identidade, sem destino certo. Quem caminha vai deixando pra trás o que não
quer mais ter e sonha com um amanhã só seu.
Não sou além dessa palavra vazia nem desse
grito mudo. Mas sei que do silêncio saio para ser voz naqueles que compreendem
quanto angustiante é a mudez da solidão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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