SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 4 de agosto de 2015

O MENINO QUE FOI BUSCAR A LUA


Rangel Alves da Costa*


Hoje eu estava recordando das histórias que minha avó Mãeta contava enquanto fazia cafuné na minha cabeça. Seus dedos magros e pequeninos corriam sobre meus cabelos e de repente surgiam histórias de todo tipo, mas sempre com fundamento moral ou educacional. Então eu ouvia a história do menino malino, do menino que era desobediente, do menino que foi para o mato sem dizer à mãe e lá ficou prisioneiro da caipora.
Não dizia nada, atém mesmo porque no meio da história eu já estava adormecendo pela gostosura do cafuné, mas gostaria mesmo que ela contasse histórias de magia, de seres encantados, de príncipes valentes, de reis maldosos e rainhas bondosas, e dragões soltando fogo pelas ventas. Mas também uma história que falasse do luar, das estrelas ou do sol que surgia no meio da noite querendo tomar o reinado da lua cheia.
Minha avó Mãeta partiu desde muito. Nunca mais ninguém me fez cafuné nem contou historinhas. Nunca mais adormeci num colo macio e tão carinhoso. Mas hoje recordei sua figura pequenina sentada na calçada da bela casa de esquina e me imaginei colocando a cabeça no seu colo para ouvir algo diferente. Dessa vez a história do menino que foi buscar a lua. E rebusquei sua voz para ouvir o sonho daquele menino sertanejo que um dia inventou de ter pertinho de si a lua maior do mundo.
Logicamente que a história começava com o “era uma vez...”. Então é como se minha avó estivesse me contando enquanto rendava meus cabelos devagarzinho. Era uma vez um menino que desde novinho se danou a falar para a mãe que um dia ia buscar aquela lua bonita que iluminava toda a noite sertaneja. Não descansaria enquanto não a não tivesse diante de seus olhos, pertinho de suas mãos, ali juntinho de si. A mãe, coitada, apenas silenciava temendo que o seu pequenino estivesse perdendo o juízo.
O menino parecia mesmo decidido a ter a lua. Depois da boca da noite, e assim que a noite caía, ele abria a janela e ali permanecia com os olhos mirando aquela imensidão do luar. Ou ainda saía da casa e ia sentar em cima de uma pedra grande que ficava pelos arredores. Mas seja onde fosse, fosse à hora da noite que fosse, ele parecia tomado de encantamento, verdadeiramente extasiado com a bela auréola dourada. Lua, lua, sei que é minha, só minha, e por isso mesmo ainda vou lhe buscar. Era o que se ouvia saindo baixinho de sua boca.
A cada noite que avistava o filho assim, a mãe se enchia de aflição. Até que achava bonito ver o menino tão quietinho e demonstrando tanto interesse por aquela lua sertaneja. Mas o problema era outro. Já tinha ouvido falar que toda pessoa de pouco juízo dava para se encantar com a lua, por ela se apaixonar, e até querer voar atrás dela. E também que em noites de lua cheia aqueles desajuizados se viam tomados por estranhezas, ora mais enlouquecidos ora querendo gritar clamando pelo abraço da luz. Ainda bem que o seu filho se mostrava normal.
Mas o menino não sossegava em busca de sua lua. Noite após noite e ele dizendo que não demoraria muito para tê-la ali pertinho de si e com um olhar que brilhava diferente de tanta comoção que sentia. Mas de repente a lua não apareceu numa noite nem na noite seguinte. Com o tempo chuvoso, nuvens cheias tomando todos os espaços, nenhuma réstia surgia daquela luz tão desejada. Então ele chorou tanto que suas lágrimas se misturavam às águas da bacia colocada do lado de fora da janela para juntar água.
Na terceira noite, imaginando que seria mais uma de tristeza e sofrimento, apenas abriu a janela e ficou de cabeça baixa, pensativo, como se ausente de tudo. Até que olhou em direção à bacia ainda cheia de água e quase dá um grito de espanto. A lua estava ali. A lua estava ali inteira, imensa, sobre a lâmina da água, bem ao seu alcance. Olhou para cima, as nuvens tinham ido embora e a lua novamente brilhava e descia para se espalhar e refletir no espelho da água.
Mãe, eu fui buscar a lua. Venha ver, ela está aqui! Gritou o menino. E a mãe correu até lá para saber o que tinha ocorrido e logo avistou o motivo de tanta alegria: a lua refletida na água da bacia. E em seguida, sabendo que aquela festa logo acabaria assim que a água fosse derramada, pediu ao filho para tomar banho bem devagarzinho com aquela água. Somente assim a lua entraria no seu corpo e no seu coração e jamais sairia.
Então o menino tomou um banho de lua com tamanha satisfação que ficou iluminado para sempre.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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