Rangel Alves da Costa*
Hoje eu estava recordando das histórias que
minha avó Mãeta contava enquanto fazia cafuné na minha cabeça. Seus dedos
magros e pequeninos corriam sobre meus cabelos e de repente surgiam histórias
de todo tipo, mas sempre com fundamento moral ou educacional. Então eu ouvia a
história do menino malino, do menino que era desobediente, do menino que foi
para o mato sem dizer à mãe e lá ficou prisioneiro da caipora.
Não dizia nada, atém mesmo porque no meio da
história eu já estava adormecendo pela gostosura do cafuné, mas gostaria mesmo
que ela contasse histórias de magia, de seres encantados, de príncipes
valentes, de reis maldosos e rainhas bondosas, e dragões soltando fogo pelas
ventas. Mas também uma história que falasse do luar, das estrelas ou do sol que
surgia no meio da noite querendo tomar o reinado da lua cheia.
Minha avó Mãeta partiu desde muito. Nunca
mais ninguém me fez cafuné nem contou historinhas. Nunca mais adormeci num colo
macio e tão carinhoso. Mas hoje recordei sua figura pequenina sentada na
calçada da bela casa de esquina e me imaginei colocando a cabeça no seu colo
para ouvir algo diferente. Dessa vez a história do menino que foi buscar a lua.
E rebusquei sua voz para ouvir o sonho daquele menino sertanejo que um dia
inventou de ter pertinho de si a lua maior do mundo.
Logicamente que a história começava com o
“era uma vez...”. Então é como se minha avó estivesse me contando enquanto
rendava meus cabelos devagarzinho. Era uma vez um menino que desde novinho se
danou a falar para a mãe que um dia ia buscar aquela lua bonita que iluminava
toda a noite sertaneja. Não descansaria enquanto não a não tivesse diante de
seus olhos, pertinho de suas mãos, ali juntinho de si. A mãe, coitada, apenas silenciava
temendo que o seu pequenino estivesse perdendo o juízo.
O menino parecia mesmo decidido a ter a lua.
Depois da boca da noite, e assim que a noite caía, ele abria a janela e ali
permanecia com os olhos mirando aquela imensidão do luar. Ou ainda saía da casa
e ia sentar em cima de uma pedra grande que ficava pelos arredores. Mas seja
onde fosse, fosse à hora da noite que fosse, ele parecia tomado de
encantamento, verdadeiramente extasiado com a bela auréola dourada. Lua, lua,
sei que é minha, só minha, e por isso mesmo ainda vou lhe buscar. Era o que se
ouvia saindo baixinho de sua boca.
A cada noite que avistava o filho assim, a
mãe se enchia de aflição. Até que achava bonito ver o menino tão quietinho e
demonstrando tanto interesse por aquela lua sertaneja. Mas o problema era
outro. Já tinha ouvido falar que toda pessoa de pouco juízo dava para se
encantar com a lua, por ela se apaixonar, e até querer voar atrás dela. E
também que em noites de lua cheia aqueles desajuizados se viam tomados por
estranhezas, ora mais enlouquecidos ora querendo gritar clamando pelo abraço da
luz. Ainda bem que o seu filho se mostrava normal.
Mas o menino não sossegava em busca de sua
lua. Noite após noite e ele dizendo que não demoraria muito para tê-la ali
pertinho de si e com um olhar que brilhava diferente de tanta comoção que
sentia. Mas de repente a lua não apareceu numa noite nem na noite seguinte. Com
o tempo chuvoso, nuvens cheias tomando todos os espaços, nenhuma réstia surgia
daquela luz tão desejada. Então ele chorou tanto que suas lágrimas se
misturavam às águas da bacia colocada do lado de fora da janela para juntar
água.
Na terceira noite, imaginando que seria mais
uma de tristeza e sofrimento, apenas abriu a janela e ficou de cabeça baixa,
pensativo, como se ausente de tudo. Até que olhou em direção à bacia ainda
cheia de água e quase dá um grito de espanto. A lua estava ali. A lua estava
ali inteira, imensa, sobre a lâmina da água, bem ao seu alcance. Olhou para
cima, as nuvens tinham ido embora e a lua novamente brilhava e descia para se
espalhar e refletir no espelho da água.
Mãe, eu fui buscar a lua. Venha ver, ela está
aqui! Gritou o menino. E a mãe correu até lá para saber o que tinha ocorrido e
logo avistou o motivo de tanta alegria: a lua refletida na água da bacia. E em
seguida, sabendo que aquela festa logo acabaria assim que a água fosse
derramada, pediu ao filho para tomar banho bem devagarzinho com aquela água.
Somente assim a lua entraria no seu corpo e no seu coração e jamais sairia.
Então o menino tomou um banho de lua com
tamanha satisfação que ficou iluminado para sempre.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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