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segunda-feira, 6 de julho de 2015

AS PESSOAS E SUAS TRANSFORMAÇÕES


Rangel Alves da Costa*


Ao longo da vida, as pessoas vão experimentando um percurso de transformações, uns mais e outros menos. Transformações estas que envolvem a educação, o conhecimento, a personalidade, o caráter e todos aqueles sinais e atributos que mais tarde serão conhecidos como suas características. Um coração bondoso, por exemplo, vai sendo construindo no âmago do indivíduo. Igualmente o caráter de perversidade presente em muitos humanos.
Há de se questionar, contudo, o que permite o surgimento de profundas mudanças no caráter e na personalidade se até a meninice os aspectos comportamentais não são muito diferenciados e daí em diante sempre se imagina apenas o aprimoramento dos primeiros ensinamentos. Com efeito, até a adolescência surgem os mesmos sonhos, os mesmos anseios, os mesmos desejos de fruição da vida. Contudo, parece ser neste estágio que surgem as transformações, transmudando os sonhos em meras ambições, e estas em desumanidades.
Tal questionamento ganha ainda mais pertinência quando se põe na balança, por exemplo, um sanguinário ditador que um dia foi criança e um religioso humanista que foi igualmente criança. Os dois passaram pela mesma inocência. O brutal, o arrogante, o violador, o frio assassino, passou pela mesma fase na vida experimentada pelo sacerdote, pelo sábio, pelo possuidor de fraternidade infinita no coração. Aquele que é hoje tido por desumano e desprezível, sanguinário e cruel, percorreu caminho muito parecido com o herdeiro do trono de Pedro.
Então, o que faz com que surjam mudanças tão drásticas e até incompreensíveis para um ser humano? Hitler foi criança, menino, teve infância. Atila, o impiedoso rei dos Hunos, bebeu da seiva do seio da mãe, foi infante, aprendeu a andar caindo. Ivan, o Terrível, teve a mesma infância que outros meninos. Stalin também foi criança, brincou, chorou o seu choro infantil. Nada diferenciado entre todos nesta fase da vida. Idade também vivenciada por pessoas como Calígula, Mussolini, Osama bin Laden e muitos outros caracterizados pela crueldade na vida.
Dizem que Hitler caçava borboletas e se encantava com as flores da primavera e com os pássaros que voavam ao seu redor. Mas depois começou a matar as borboletas que encontrava, a dizimar os jardins primaveris e a armar arapucas para aprisionar passarinhos. Após tornarem-se prisioneiros, acabavam sendo asfixiados com gás. Dizem que Stalin gostava de mamar no seio materno, era demasiadamente chorão e só acalmava com uma bela canção de ninar. Mas bastou ficar maiorzinho para quase arrancar o peito da mãe com uma mordida, fazer com que os outros chorassem o seu choro e ouvir gritos de sofrimento como suave canção.
Os grandes traumas raramente ocorrem na infância. As experiências traumatizantes e que provocam danosas consequências mentais e comportamentais não são frequentes nos primeiros anos de vida. Daí que dificilmente os sanguinários da história tenham suportado dolorosas experiências para adquirirem comportamentos sádicos e doentios e mais tarde, já na idade adulta, simplesmente prosseguissem aprimorando seus instintos bestiais. Ademais, não é por uma ferida não cicatrizada ou por situação mal resolvida que o mundo ou populações inteiras tenham de se submeter às suas crueldades.
Afirmam que Alexandre, o Grande, um dos maiores conquistadores da antiguidade, no leito de morte se perguntou por que nunca havia sido criança. E disse ainda que se tivesse tido tempo de brincar não tinha aprendido tão cedo a guerrear para morrer tão jovem. Morreu querendo voltar a ser criança e simplesmente fazer o que todo menino faz. Já Herodes, rei da Judeia, levou o trauma da infância sem amigos a terríveis consequências. Escolheu Belém para dar vazão a seus instintos perversos e mandou matar centenas de crianças com até dois anos. Negando a infância dos outros, procurava negar a si mesmo e se impor como alguém sem passado que merecesse recordação.
Com efeito, difícil imaginar um tirano recordando que já teve infância. Difícil até que relembre o passado, principalmente se este o colocar numa posição de pessoa comum. Apagando a memória, sua vida se resumirá no que faça perante o seu presente. O problema é que rejeitando o passado, esquecida também ficará a inocência da infância ou a criança bondosa que talvez tenha sido. Com tudo apagado, então será a vez de fazer valer sua ideia de poder, que nada mais é que a imposição do mando através do medo e da violência.
As transformações do homem são realmente surpreendentes. Imaginar a infância em Genghis Khan, Nero, Mao Tse Tung, Pol Pot, Leopoldo da Bélgica, dentre tantos outros sádicos da história, faz realmente crer que o homem se tiraniza porque assim deseja. Bastaria que desenvolvessem as dádivas divinas concedidas ao homem e talvez se assemelhassem a Buda, a Gandhi, a Padre Pedro, a São Francisco de Assis. Estes nunca perderam o bondoso coração de criança.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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