SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 28 de julho de 2015

CASEBRES DE BEIRA DE ESTRADA


Rangel Alves da Costa*


Na última quinta-feira, dia 23, peguei a estrada rumo a Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, meu berço abençoado. De lá retornei ao entardecer deste domingo 26. Tanto na ida como no retorno, outra coisa não fiz senão ficar observando os casebres de beira de estrada, principalmente na região do autêntico sertão sergipano, da Boca da Mata em diante ou até este que é o verdadeiro portal do mundo da catingueira, do mandacaru e do xiquexique.
Diferente de outras vezes, na viagem de agora encontrei uma paisagem que nem parecia sertão. O normal é que a chegada à região sertaneja já seja emoldurada pelo céu sem nuvens, terra esfarelada pela secura e uma vegetação acinzentada e definhando. Mas desta vez, após as chuvas caídas nos últimos tempos, a paisagem entristecida deu lugar a campos verdosos, arvoredos floridos e milhares de garças brancas ao redor das fontes. Um verdadeiro deslumbre aos olhos acostumados com outros retratos.
Da Boca da Mata em diante, onde hoje está a suntuosa cidade de Nossa Senhora da Glória, o cenário sertanejo se mostra de forma diferenciada, mesmo que de Aracaju ao sertão tudo esteja com as consequências da terra molhada. Ou seja, um só leito verdejante e cheio de vida. Mas o mundo sertão logo se mostra inconfundível. A vegetação, num misto de arbustos espinhentos, árvores com copas espessas, catingueiras de troncos finos e galhos recurvados, além das cactáceas tão características da região, logo se mistura aos retratos humanos e às pequenas propriedades com suas humildes moradias.
Há também uma profusão de grandes fazendas com moradias alentadas, currais e automóveis pelas malhadas, além de bichos pastando pelos arredores. E assim porque o sertão é também um misto de riqueza e pobreza, de potentados fazendo vizinhança com um terreninho de duas tarefas e de moradias com três ou quatro vãos, quase sempre mostrando que da porta da frente adiante pouca coisa pode ser encontrada. E diferente de outras regiões sergipanas onde muitas árvores frutíferas são avistadas adiante das casas, no sertão apenas o umbuzeiro faz sombreamento ao homem cansado de sol.
As estradas, pois, são ladeadas pela riqueza e pela pobreza quase oculta nas suas moradias. Oculta porque dificilmente se avista uma porta aberta, pessoas sentadas nos sombreados, caminhando pelos arredores, lidando com uma coisa e outra. Ali há famílias inteiras com jovens, crianças, velhos e os senhores das moradias, mas dificilmente se avista um pé de pessoa numa janela, saindo à porta, tangendo um bicho. Parecem seres escondidos que vivem somente para o seu mundo, e um mundo que parece existente somente da porta dos fundos adiante, adentrando na mataria ou nos descampados distantes.
O carro no seu percurso e eu olhando e imaginando a vida de tais moradias, o jeito de ser e viver destes habitantes ocultos. Passa uma casinha e mais outra, todas parecidas. De barro ou tijolo, porém todas miúdas, pequeninas, com apenas porta e janela. Uma ou outra com um puxadinho à frente onde o telhado descendo um pouco mais forma um pequeno alpendre onde se avista um velho banco esquecido ou mesmo uma cadeira de balanço sacudindo sozinha. Uma porção de madeira deitada num canto, um tronco de umburana de muito uso, um silêncio intrigante.
O carro seguindo e eu imaginando o porquê de aquelas casas estarem quase sempre de portas e janelas fechadas. Uma ou outra assim permanece porque já abandonada pelos seus moradores, talvez saídos do lugar na última seca medonha, mas difícil compreender que ali existindo pessoas e tudo se mostra como se não existisse ninguém. Não se ouve uma voz, um grito, um aboio, uma canção cabocla num rádio, nada. Não se ouve um cachorro latindo, uma panela caindo, um feixe de lenha sendo jogado ao chão. Nada.
O homem geralmente sai para trabalhar, mas a esposa sempre fica cuidando dos afazeres da casa. Os meninos, quando não estudando nas escolas pelos arredores, ao menos deveriam ser avistados correndo de lado a outro, zanzando, brincando. Mas nem a dona da casa aparece nem a meninada corre atrás do gato ou do cachorro, brinca de ponta de vaca ou fica na beira da estrada vendo a estranheza passar.
É verdadeiramente um mundo de desolação e de silêncio instigante. Por que os moradores não abrem as portas para o sol entrar, para um sopro de brisa levar esperanças, para que a luz ilumine a vida? Lá dentro ocorre o desconhecido. Ou o conhecido de todo sertanejo: a contação do grão na cozinha, o fogão de lenha sendo preparado para receber a panela de barro, a mulher cantando uma velha canção em silêncio. E no quintal a visão do paraíso: uma galinha ciscando, um pé de mastruço, um varal estendido.
E quando a noite chega a chama amarelada do candeeiro ou o brilho da luz elétrica despontando pelas frestas das portas ainda fechadas. Ou mesmo abertas, pois o dono da casa, depois da luta do dia, entra e sai com uma xícara numa mão e na outra seu radinho de pilha. E na malhada o menino brincando de ser amigo da lua.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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