Rangel Alves da Costa*
Na última quinta-feira, dia 23, peguei a
estrada rumo a Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, meu berço abençoado.
De lá retornei ao entardecer deste domingo 26. Tanto na ida como no retorno, outra
coisa não fiz senão ficar observando os casebres de beira de estrada,
principalmente na região do autêntico sertão sergipano, da Boca da Mata em
diante ou até este que é o verdadeiro portal do mundo da catingueira, do
mandacaru e do xiquexique.
Diferente de outras vezes, na viagem de agora
encontrei uma paisagem que nem parecia sertão. O normal é que a chegada à
região sertaneja já seja emoldurada pelo céu sem nuvens, terra esfarelada pela
secura e uma vegetação acinzentada e definhando. Mas desta vez, após as chuvas
caídas nos últimos tempos, a paisagem entristecida deu lugar a campos verdosos,
arvoredos floridos e milhares de garças brancas ao redor das fontes. Um
verdadeiro deslumbre aos olhos acostumados com outros retratos.
Da Boca da Mata em diante, onde hoje está a
suntuosa cidade de Nossa Senhora da Glória, o cenário sertanejo se mostra de
forma diferenciada, mesmo que de Aracaju ao sertão tudo esteja com as
consequências da terra molhada. Ou seja, um só leito verdejante e cheio de
vida. Mas o mundo sertão logo se mostra inconfundível. A vegetação, num misto
de arbustos espinhentos, árvores com copas espessas, catingueiras de troncos
finos e galhos recurvados, além das cactáceas tão características da região,
logo se mistura aos retratos humanos e às pequenas propriedades com suas
humildes moradias.
Há também uma profusão de grandes fazendas
com moradias alentadas, currais e automóveis pelas malhadas, além de bichos
pastando pelos arredores. E assim porque o sertão é também um misto de riqueza
e pobreza, de potentados fazendo vizinhança com um terreninho de duas tarefas e
de moradias com três ou quatro vãos, quase sempre mostrando que da porta da
frente adiante pouca coisa pode ser encontrada. E diferente de outras regiões
sergipanas onde muitas árvores frutíferas são avistadas adiante das casas, no
sertão apenas o umbuzeiro faz sombreamento ao homem cansado de sol.
As estradas, pois, são ladeadas pela riqueza
e pela pobreza quase oculta nas suas moradias. Oculta porque dificilmente se
avista uma porta aberta, pessoas sentadas nos sombreados, caminhando pelos
arredores, lidando com uma coisa e outra. Ali há famílias inteiras com jovens,
crianças, velhos e os senhores das moradias, mas dificilmente se avista um pé
de pessoa numa janela, saindo à porta, tangendo um bicho. Parecem seres
escondidos que vivem somente para o seu mundo, e um mundo que parece existente
somente da porta dos fundos adiante, adentrando na mataria ou nos descampados
distantes.
O carro no seu percurso e eu olhando e
imaginando a vida de tais moradias, o jeito de ser e viver destes habitantes
ocultos. Passa uma casinha e mais outra, todas parecidas. De barro ou tijolo,
porém todas miúdas, pequeninas, com apenas porta e janela. Uma ou outra com um
puxadinho à frente onde o telhado descendo um pouco mais forma um pequeno
alpendre onde se avista um velho banco esquecido ou mesmo uma cadeira de
balanço sacudindo sozinha. Uma porção de madeira deitada num canto, um tronco
de umburana de muito uso, um silêncio intrigante.
O carro seguindo e eu imaginando o porquê de
aquelas casas estarem quase sempre de portas e janelas fechadas. Uma ou outra
assim permanece porque já abandonada pelos seus moradores, talvez saídos do
lugar na última seca medonha, mas difícil compreender que ali existindo pessoas
e tudo se mostra como se não existisse ninguém. Não se ouve uma voz, um grito,
um aboio, uma canção cabocla num rádio, nada. Não se ouve um cachorro latindo,
uma panela caindo, um feixe de lenha sendo jogado ao chão. Nada.
O homem geralmente sai para trabalhar, mas a
esposa sempre fica cuidando dos afazeres da casa. Os meninos, quando não
estudando nas escolas pelos arredores, ao menos deveriam ser avistados correndo
de lado a outro, zanzando, brincando. Mas nem a dona da casa aparece nem a
meninada corre atrás do gato ou do cachorro, brinca de ponta de vaca ou fica na
beira da estrada vendo a estranheza passar.
É verdadeiramente um mundo de desolação e de
silêncio instigante. Por que os moradores não abrem as portas para o sol
entrar, para um sopro de brisa levar esperanças, para que a luz ilumine a vida?
Lá dentro ocorre o desconhecido. Ou o conhecido de todo sertanejo: a contação
do grão na cozinha, o fogão de lenha sendo preparado para receber a panela de
barro, a mulher cantando uma velha canção em silêncio. E no quintal a visão do
paraíso: uma galinha ciscando, um pé de mastruço, um varal estendido.
E quando a noite chega a chama amarelada do
candeeiro ou o brilho da luz elétrica despontando pelas frestas das portas ainda
fechadas. Ou mesmo abertas, pois o dono da casa, depois da luta do dia, entra e
sai com uma xícara numa mão e na outra seu radinho de pilha. E na malhada o
menino brincando de ser amigo da lua.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário