Rangel Alves da Costa*
A fé não pressupõe igreja nem balizamento em
qualquer religião. A fé, enquanto crença na existência, força e poder de Deus,
não exige do sujeito qualquer obediência a credos católicos ou protestantes e
nem mesmo o devocionamento em igrejas ou outros templos. Desse modo, a fé
prescinde de igrejas, templos ou religiões, bastando-se na crença pessoal do
ser humano. A própria pessoa, perante atos e convicções, é responsável pela
construção do pedestal que a levará ao alto.
Não parece razoável nem correto carregar uma
Bíblia à mão e avistar o próximo com olhos de inveja, ter um coração frio e
maldoso, possuir a mente devastada de pecados e a tudo fingir falseando uma
crença. A verdade não pode estar num espelho de duas faces. Uma Bíblia à mão é
apenas um livro sendo carregado. Quem conhece suas lições convive a palavra e
pratica seus ensinamentos, jamais fazendo do livro sagrado apenas um acessório.
Do mesmo modo, não parece coerente nem
aceitável que os templos religiosos sirvam como locais de bater ponto em
determinadas horas do dia. Corações frios não são aquecidos diante do altar ou
ouvindo sermões. Pessoas levianas não se purificam ajoelhadas nem entregues a
preces da boca para fora. Pessoas que chegam às igrejas como visitantes
rotineiros, de lá saem com a mesma feição espiritual. É sempre preciso muito
mais.
Até mesmo o devocionamento beatista, com
aquelas conhecidas pessoas que sempre estão nas igrejas nas horas das missas,
nem sempre traz consigo a fé e a religiosidade esperadas. Chegam com livros
eucarísticos, de rosários à mão, conhecem todos os ritos e cantos das
celebrações, mas não carregam a mesma resposta no coração. Ora, está no coração
o templo maior de Deus. Jamais será digno de fé aquele que professa uma crença
sem demonstrar atitudes pessoais que sejam do agrado aos olhos sagrados.
Sendo o coração o templo maior de Deus, logo
se tem o que a divindade espera da pessoa. Nada de incomum ao ser humano,
apenas a obediência íntima aos mandamentos sagrados, a prática das virtudes que
dignificam o ser humano, o profundo e real comprometimento de amor ao próximo,
a bondade indistinta como característica do indivíduo, o compartilhamento do
pão da palavra e da fraternidade, a preocupação com os problemas mundanos que
tanto afetam e ameaçam a vida e a felicidade dos povos.
Como visto, não são coisas assim tão caras ao
ser humano, que, aliás, já nasceu possuidor das melhores virtudes, bastando
apenas que procure preservar ao máximo o seu sentido real da existência. E o
sentido da existência só faz sentido com o amor, com a prática do bem, com o
compartilhamento, com a fraternidade, com a comunhão, com a visão do outro como
se estivesse diante de si com as mesmas alegrias e problemas. Deus quer que o
homem seja assim. Ou também assim, pois quer muito mais.
Mas o que Deus quer do homem não é o que está
espelhado apenas nas igrejas, nos livros sagrados, nos sermões e rituais
eucarísticos, na cruz dourada que se carrega no peito, na devoção e no
beatismo. Igrejas são construções, são espaços próprios para as celebrações
sagradas, mas apenas isto. Outras igrejas, e até com maior força religiosa,
podem ser encontradas. Além do templo maior do coração – santuário inafastável
do homem -, também os templos suntuosamente se erguem nas ações humanas, nos
pequenos gestos de acolhimento ou mesmo onde não exista uma imagem santa
sequer.
E assim por que o homem deve compreender que
o seu encontro com Deus não se dá através de meios físicos ou materiais, de
templos ou escritos, mas principalmente por meio de si mesmo, dentro do próprio
coração. O ser humano deve compreender que Deus está consigo, dentro de si,
sempre e permanentemente. Cabe-lhe, contudo, e segundo a sua força de fé, fazer
com que o templo do coração esteja sempre de portas abertas não só para acolher
como para que dele emane todas as boas virtudes da vida.
Como o coração é singelo, Deus também é
singelo. E de uma singeleza tal que não comunga com adornos que ofusquem a
simplicidade do ser. E isto se torna importante porque o verdadeiro cristão não
pode exercer sua fé e devoção, não pode ter a humildade necessária para o
compartilhamento e a fraternidade, se não estiver despojado de sensos
materialistas. Não há riqueza material que se humanize de tal modo que
continuamente se volte para o desvalido, para o pobre, o enfermo, o que apenas
sobrevive pelo nome. Seria preciso experimentar o sofrimento da carência para
reconhecer quanto importante é permanecer com a mão estendida em doação.
Coisas simples que muito agradam aos olhos de
Deus. Coisas simples que confortam e enriquecem espiritualmente o ser humano.
Nas distâncias do mundo, onde sequer há uma igreja, não se deixa de avistar o
templo sagrado maior. Há um povo que se ajoelha na solidão de suas taperas, que
faz de um velho oratório um céu, que eleva as mãos ao alto em louvação
verdadeira. Tal fé se expressa em si mesma. E no templo do coração.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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