Rangel Alves da Costa*
Com o peso nos olhos porque tudo faz para não
chorar. Certamente que há um mar por dentro, ávido para jorrar suas águas, mas
se esforça ao máximo para não se deixar naufragar. Como uma barreira que vai suportando
a força das águas para não rebentar, igualmente os olhos apertados querendo
explodir.
Com o peso nos olhos porque a tristeza é
demais, a dor é demais, o sofrimento é demais, tudo é demais. Tudo faz para não
deixar transparecer a insustentável situação, as amarras que afligem o corpo e
a alma, a angústia que se alastra procurando a tudo dilacerar. Teme que o
limite seja o limite do segundo após e não mais poder suportar a força das
comportas que querem rebentar.
Com o peso nos olhos porque no olhar a única
feição que ainda tenta iludir a realidade. Os olhos até brilham, até passeiam
de canto a outro, até se abrem aos horizontes. Ou será que apenas vagueiam
desnorteados? Talvez seja assim, pois nada é mirado para ser avistado, nada
encontrado é compreendido. A verdade é que os olhos apenas estão na face como a
folha de outono ainda se prende ao galho.
Com o peso nos olhos porque o restante do
corpo já não suporta nenhum peso. A mente aflita já caminha pela desesperança
de um deserto sem fim. O pensamento já não conjuga possibilidades nem consegue
refletir em busca de saídas. O coração apenas sofre, se atormenta, pulsa
segundo o soluço da alma. E a alma, sempre o refúgio da esperança e da fé,
tateia em meio à escuridão em busca de qualquer luz.
Com o peso nos olhos porque precisa manter os
olhos abertos, firmes, ainda vivos perante a realidade. Mas tanto faz que
estivessem fechados, pois a luz do sofrimento é uma só. Olha adiante e o que
encontra são brumas, sombras, névoas, cerrações. Olha ao redor e não avista
além de um mundo pequenino demais, sufocante, aterrorizante. Olha dentro de si
e só encontra as águas que avançam querendo se derramar. E nem mesmo a balança
do mundo suportaria o peso de olhos que quase já não atendem mais ao seu dono.
Com o peso nos olhos e sabendo que não irá
suportar manter por muito tempo tanto peso nos olhos. Por mais força que tenha
o ser humano, por mais obstinação que demonstre na alma, por maior
encorajamento com que se mantenha, chega um instante onde tudo começa a fraquejar.
E não haverá fraquejamento nos olhos quando as tristezas e os sofrimentos
aprisionados não tendem senão a precipitar-se de vez. E numa enxurrada tal que
talvez leve consigo o último pilar que ainda sustenta o fio tênue da esperança.
Com o peso nos olhos porque não chorou,
apenas sofreu. Com o peso nos olhos porque não jogou para fora todas as mágoas
represadas na alma, apenas esperou a chegada de tempos melhores. Com o peso nos
olhos porque não soluçou, não gritou, não fez ver ao mundo sua melancólica realidade,
mas apenas silenciou e se fechou num mundo sem portas ou janelas. Com o peso
nos olhos porque se achou forte demais. Havia a certeza que conseguiria
suportar mais aquela aflição. Jamais esperou que o tempo simplesmente passasse
e mágoas e tristezas fossem vorazmente se acumulando no seu âmago.
Agora uma situação difícil de ser resolvida.
Não faltaram invocações: Deus, meu Deus, por que me abandonaste?! Clamou aos
céus uma luz que servisse de guia no enfrentamento da situação. Não se esqueceu
das preces, dos salmos e das meditações positivas. Imaginou que o Eclesiastes
seria sua salvação, vez que o livro sagrado ensina que tudo muda, que nada daquilo
que se mostra num momento terá a mesma feição no passo seguinte.
Contudo, tudo se repetiu, tudo se acumulou
tomando as forças, e o que resta agora é somente o peso dos olhos querendo
chorar. Talvez se decida por chorar toda a dor sentida, mas também talvez nem
encontre mais uma lágrima sequer. Por mais que os olhos estejam tomados de
sofrimento e por dentro rios e mares queiram desaguar, muitas vezes o olhar
derrama apenas aquele brilho indecifrável da agonia.
E também porque já chorou demais. Não
derramou uma lágrima sequer, mas por dentro morreu na esperança de
renascimento.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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