SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 11 de julho de 2015

PINGO A PINGO, GOTA A GOTA


Rangel Alves da Costa*


Às vezes deixo de ser passarinho e me intrometo a filosofar. E foi num instante reflexivo que cheguei a uma interessante conclusão: tudo nasce, cresce e existe a partir da gota que cai. Sim, duma gotinha de nada que simplesmente cai e ninguém dá a devida importância.
E mais: o simples pingo, ou a simples gota, é do tamanho do mar, do oceano, da vida inteira. A mera gotinha é do tamanho de tudo que se deseja ter frutificado, é da imensidão do sonho e da necessidade. Uma a uma, pingo a pingo, e toda enchente do mundo.
Por quê? Ora, pense na chuva, pense na existência, pense na dimensão do mundo. A chuva não desce num todo, uniforme, completa, mas em pingos. E gotas singulares, que descem sozinhas e formam o todo da chuva ou da tempestade.
Tudo nasce do pingo, da minúscula gotinha, e gota a gota a grande transformação. Pingo a pingo, gota a gota, rápida ou lentamente, tanto o copo vai se enchendo como o rio se alargando, como o oceano se alastrando. Um só pingo quase não causa efeito, pois logo evapora, mas se descer uma gota após outra então se terá a vida.
Pensando bem, nesse meu devaneio filosófico, o mundo não existe como tal senão a partir de coisas minúsculas. Certamente já se ouviu falar em molécula, átomo, elétron, isótopo, próton, partícula, fração, e tudo lembrando coisas minúsculas e até invisíveis ao olho humano. Tudo pode ser visto como gotinhas químicas ou biológicas que acabam formando os elementos e os seres.
Tudo parece um nada, quase inexistente ou insignificante demais para acreditar na sua força e no seu poder de transformação. Mas como diz o ditado, é de onde nada se espera que pode surgir o inesperado. E tal realidade pode ser constatada em situações normais da vida, ainda que muitos nem percebam ou parem para pensar como assim acontece.
Já foi dito do mar imenso que se perde nas lonjuras do olhar. Pois bem, toda aquela água veio de cima, das nuvens, da chuva, ainda que através de rios e seus afluentes. E as chuvas que enchem os tanques, as fontes, barragens, riachos, rios, mares e oceanos, desceram em pingos, gota a gota.
Pingo após pingo e tudo se vai enchendo. Um exemplo prático do copo debaixo da torneira do filtro. Geralmente um copo é colocado debaixo da torneira para que os pingos não molhem a mesa ou a pia. Mas não precisa ser pingo contínuo não, bastando que de cinco em cinco minutos um vá se formando para depois cair. Ainda assim mostrará sua força.
O copo vazio que é colocado embaixo recebe o primeiro pingo e ninguém percebe nada, pois o mesmo se perde lá dentro. Depois vem o segundo pingo, a segunda gotinha, e ainda nada demonstra a existência de água. Mas o copo vai ficar cheio, vai derramar pelas bordas, a água vai molhar adiante. Não tem jeito.
Em tudo a importância do minúsculo. O ser humano nasce do minúsculo, do invisível. Frutifica a partir do sêmen, e este é formado de glândulas e fluídos. Minúsculos pólens fazem surgir um imenso jardim. A natureza surge a partir de grãos, sementes, de minúsculas partículas que vingam na terra e depois se alastram em imponência.
O chão seco, com minúsculas partículas de terra em estado de pó, só espera o milagre do pingo d’água, da gota de salvação. E quando a chuva cai, pingo a pingo, gota a gota, a terra então começa a encharcar. E quanto mais pingos caindo, um a um, mais tudo se enche, se derrama, se torna enxurrada, escorre pelos barrancos.
E quando o grão semeado chega à terra é como se a pequena partícula encontrasse o útero da gota de chuva caída. Então começa o milagre da natureza e a gestação daquilo que mais adiante vai saciar a fome, que estará sobre a mesa do mundo.
E os pingos que se juntam nos olhos entristecidos, chorosos, e se derramam na face? Também partículas. As dores, as tristezas, as angústias e aflições também são gestadas por inúmeras causas que vão surgindo pequeninas até que cheguem aos olhos como nuvens de tempestade.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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