Rangel Alves da Costa*
Às vezes deixo de ser passarinho e me
intrometo a filosofar. E foi num instante reflexivo que cheguei a uma
interessante conclusão: tudo nasce, cresce e existe a partir da gota que cai.
Sim, duma gotinha de nada que simplesmente cai e ninguém dá a devida
importância.
E mais: o simples pingo, ou a simples gota, é
do tamanho do mar, do oceano, da vida inteira. A mera gotinha é do tamanho de
tudo que se deseja ter frutificado, é da imensidão do sonho e da necessidade.
Uma a uma, pingo a pingo, e toda enchente do mundo.
Por quê? Ora, pense na chuva, pense na
existência, pense na dimensão do mundo. A chuva não desce num todo, uniforme,
completa, mas em pingos. E gotas singulares, que descem sozinhas e formam o
todo da chuva ou da tempestade.
Tudo nasce do pingo, da minúscula gotinha, e
gota a gota a grande transformação. Pingo a pingo, gota a gota, rápida ou
lentamente, tanto o copo vai se enchendo como o rio se alargando, como o oceano
se alastrando. Um só pingo quase não causa efeito, pois logo evapora, mas se
descer uma gota após outra então se terá a vida.
Pensando bem, nesse meu devaneio filosófico,
o mundo não existe como tal senão a partir de coisas minúsculas. Certamente já
se ouviu falar em molécula, átomo, elétron, isótopo, próton, partícula, fração,
e tudo lembrando coisas minúsculas e até invisíveis ao olho humano. Tudo pode
ser visto como gotinhas químicas ou biológicas que acabam formando os elementos
e os seres.
Tudo parece um nada, quase inexistente ou insignificante
demais para acreditar na sua força e no seu poder de transformação. Mas como
diz o ditado, é de onde nada se espera que pode surgir o inesperado. E tal
realidade pode ser constatada em situações normais da vida, ainda que muitos
nem percebam ou parem para pensar como assim acontece.
Já foi dito do mar imenso que se perde nas
lonjuras do olhar. Pois bem, toda aquela água veio de cima, das nuvens, da
chuva, ainda que através de rios e seus afluentes. E as chuvas que enchem os
tanques, as fontes, barragens, riachos, rios, mares e oceanos, desceram em
pingos, gota a gota.
Pingo após pingo e tudo se vai enchendo. Um
exemplo prático do copo debaixo da torneira do filtro. Geralmente um copo é
colocado debaixo da torneira para que os pingos não molhem a mesa ou a pia. Mas
não precisa ser pingo contínuo não, bastando que de cinco em cinco minutos um
vá se formando para depois cair. Ainda assim mostrará sua força.
O copo vazio que é colocado embaixo recebe o
primeiro pingo e ninguém percebe nada, pois o mesmo se perde lá dentro. Depois
vem o segundo pingo, a segunda gotinha, e ainda nada demonstra a existência de
água. Mas o copo vai ficar cheio, vai derramar pelas bordas, a água vai molhar
adiante. Não tem jeito.
Em tudo a importância do minúsculo. O ser humano
nasce do minúsculo, do invisível. Frutifica a partir do sêmen, e este é formado
de glândulas e fluídos. Minúsculos pólens fazem surgir um imenso jardim. A
natureza surge a partir de grãos, sementes, de minúsculas partículas que vingam
na terra e depois se alastram em imponência.
O chão seco, com minúsculas partículas de
terra em estado de pó, só espera o milagre do pingo d’água, da gota de
salvação. E quando a chuva cai, pingo a pingo, gota a gota, a terra então
começa a encharcar. E quanto mais pingos caindo, um a um, mais tudo se enche,
se derrama, se torna enxurrada, escorre pelos barrancos.
E quando o grão semeado chega à terra é como
se a pequena partícula encontrasse o útero da gota de chuva caída. Então começa
o milagre da natureza e a gestação daquilo que mais adiante vai saciar a fome,
que estará sobre a mesa do mundo.
E os pingos que se juntam nos olhos
entristecidos, chorosos, e se derramam na face? Também partículas. As dores, as
tristezas, as angústias e aflições também são gestadas por inúmeras causas que
vão surgindo pequeninas até que cheguem aos olhos como nuvens de tempestade.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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