Rangel Alves da Costa*
O outono agora. Como as árvores que frágeis e
entristecidas vão desfolhando, igualmente a paisagem emoldurada por ondo passo,
aonde chego, onde estou.
As folhas vão perdendo a seiva, perdendo a
cor, o viço e todo o encanto. Depois que o tormento rouba a essência, nada mais
resta senão pender à espera da ventania.
Folhas são os sonhos, as esperanças, as
alegrias, as promessas de vida e tudo aquilo que vai alicerçando a existência.
Mas também tais folhas vão se esvaindo com as angústias, as tristezas, as
desilusões.
Nada pode domar a natureza, a não ser suas
próprias forças e seus próprios mistérios. Ninguém imagina que uma paisagem
verdejante, com folhas vivas e farfalhantes, de repente possa ser encontrada
com uma feição totalmente diferente: a palidez da existência.
A natureza humana, muito mais frágil, não
suporta sequer as dores do acaso. Um dia feliz e cheio de contentamento não
traz a certeza de uma noite confortada ao coração. Basta que o silêncio traga
uma recordação ou uma saudade que tudo parece desandar.
Os pássaros pousam na árvore e nem imagina
como ela estará diferente amanhã. No dia seguinte ainda a encontrará altiva,
porém já com os sintomas de uma alma agonizante. Apenas é árvore, mas já sem
aquela essência que alimenta os galhos, as flores, os frutos.
O ser humano também se sente fragilizado. Não
está enfermo, não sente dores físicas, não se sente prostrado. Mas dói-lhe a
alma, o espírito. Dói-lhe a sensação de perda, de sofrimento, de carência.
O vento da tarde faz a festa do arvoredo. As
folhas dançam, cantam, vivem seu júbilo. Estão fortes, saudáveis, cheias de
vida e de cor. E assim por que há vida nas folhas. Mas não viverão eternamente
na festa dos dias. Os seus dias de tristeza também surgirão.
Não quer sofrer, o ser humano nunca quer
sofrer. Mas muitos não compreendem que possuem apenas o nome e o sobrenome. E
apenas isto. Todo o seu restante, tudo o que lhe guarnece, desde o corpo ao
sorriso, nada disso é de serventia ao bel-prazer. Há outro dono de tudo isso.
As árvores bem sabem que vivem em ciclos
existenciais. Conhecem bem o frescor e o perfume da primavera, os dias quentes
e abafados do verão, as chuvas e as florações do inverno, bem como os
padecimentos e aflições do outono. Mas é no outono que todo o seu viver é
colocado ao sacrifício.
O ser humano vive seu outono sem precisar do
percurso das estações. Igualmente à árvore também teme a sua chegada. E não
após qualquer outra estação, mas a qualquer instante. Eis a diferença do outono
do homem: chega devastador após um dia que mais parecia uma canção de
primavera.
A árvore se suporta no seu tronco vasto, mas
seus galhos perdem os seus adornos. É como se um braço se mantivesse sustentado
um bem querido e de repente sente que terá de abdicar daquela vida. As folhas
se desprenderão e cairão.
E o que é o homem? Como dito, de si mesmo só
possui o nome e o sobrenome, pois quando se despede ainda ficarão tais
identidades em alguma memória. Mas nada mais do que possui não tem outro dono
senão o destino. E é o destino que faz o outono humano chegar a qualquer
momento.
Então os galhos fecham os olhos para não
chorar. Por mais que sustente as folhas, por mais que deseje permanecer ao lado
delas, logo sentirá que tudo se desprendeu. Ou a ventania a tudo levou ou o
chão em lápide resguarda as folhas mortas.
Uma saudade, uma tristeza, um problema
difícil de ser resolvido, um amor desfeito, um desejo não realizado. Tudo dói
na alma, atormenta o espírito humano. E mesmo as lágrimas não trarão alento à
folha que é. E se atormenta sem saber o que fazer.
Até que o dono do destino torne aquele outono
apenas como um sofrimento necessário ao fortalecer do ser. E o faça renascer
novamente.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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