SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 21 de julho de 2015

VOU MORAR NO MEIO DO MATO


Rangel Alves da Costa*


Os motivos são mais que óbvios, por isso vou morar no meio do mato. Quem gosta de cidade é fumaça, buzina, asfalto, barulho, violência, arrogância, brutalidade. E não sou estátua para suportar tudo isso.
Já caminhei demais por suas estradas, suas ruas, suas entranhas. Já esperei demais o sinal fechar para seguir, já me desgastei demais esperando o atendente para informar, já cansei demais em filas e mais. Por isso vou morar no meio do mato.
Cansa conviver com o mesmo nada, com a mesma pressa, com o mesmo passo, e para lugar algum. Não há destino que alegre a alma, cative o coração, torne o olhar um poeta e o coração um apaixonado. Tudo frio, tudo vazio. Por isso vou pro meio do mato.
Conviver com a cidade não foi uma experiência boa. Pensei que as pessoas poderiam ser cordiais, imaginei que de vez em quando um sorriso surgisse numa face qualquer, pensei que poderia esquecer o portão aberto. Mas em tudo a desilusão. Por isso vou morar no meio do mato.
Na cidade nada é de seu dono. Na cidade tudo é do outro, do bandido, do assaltante, do marginal. Ele tem a chave da porta, tem a chave do carro, tem a mão para afanar o que quiser. Ele tem a faca, tem a arma, tem a ameaça, tem tudo para a prática do mal. E o que possui o cidadão?
Não, não fico mais aqui, vou embora pra longe, vou morar no meio do mato. A cidade também tem muito bicho, mas de uma linhagem diferente. Pelas ruas é fácil encontrar jumento, burro, cachorro, gambá, lobos famintos. Bicho estranho tem um bocado, tem até demais. Também sucuri e caninana.
As cidades crescem, se desenvolvem, e se diminuem em tudo. Falta afeto, falta amizade, falta companheirismo, falta fraternidade. Cada um por si e todos contra todos. Não vivo numa guerra assim, não quero mais viver jogado às feras. Quem uiva com os lobos que viva sua solidão. Eu não.
Ademais, sou pássaro vindo de outro ninho e bem distante daqui. Sou quase um forasteiro que não quer mais ficar, até mesmo porque a permanência vai sangrar os meus sonhos, acorrentar minhas esperanças e mortificar meus desejos. Preciso de uma porta e de uma janela e não de cimento encobrindo a vida.
Preciso pensar, preciso refletir, preciso viver. Preciso estender a cadeira de balanço debaixo do sombreado e esperar a brisa da tarde chegar. Preciso tomar café torrado feito em fogão de chão, preparar cuscuz de milho ralado e saborear da manteiga da terra. Nada disso encontro aqui, e se tem é falsificado como o viver.
Preciso acordar cedinho e caminhar pelos campos, cortar veredas, colher o araçá bem distante. Há uma fonte ou um riachinho, e também uma pedra grande onde o corpo estendido esquece tudo ao redor para encontrar a paz. Ouvirei um canto passarinho, avistarei um calango correndo ao redor, cantarei a canção da existência a cada alvorecer e anoitecer.
Não, não irei para Pasárgada e lá ser amigo do rei. Não, não irei para Macondo e lá ser amigo dos Buendía. Não, não irei a nenhum lugar idílico ou fantasioso. O que quero ter é chão de verdade e a certeza de que algum sossego ainda existe em meio ao caos da existência.
Uma rede de armar, uma esteira de chão, um caderno de riscado, um radinho de pilha. A lua que desce, o sol que se espalha, tudo me satisfaz. Não quero nada além de dias preguiçosos, lentos, sem pressa alguma. Não quero nada além de poder adormecer e sonhar apenas com o possível de acontecer.
Já sinto o calor ensolarado do dia e a aragem do entardecer. Na noite uma frieza boa de abraçar a lua e contar vaga-lumes como se fossem estrelas. E buscar na voz do silêncio qualquer canção que seja de louvação daquele mundo que quero ter.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: