Rangel Alves da Costa*
A estrofe acima, da letra de “A volta da Asa
Branca”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, remete à contínua e persistente esperança
do sertanejo por dias melhores. Esperança esta sempre dependente do fim da
estiagem, do avistamento da barra de chuva no horizonte, da chegada de nuvens
carregadas, dos relâmpagos e trovões triscando e zunindo pelas alturas, das
trovoadas muito mais certeiras noutros tempos. E basta que pingo grosso caia no
chão sertanejo, com aquele bafo quente subindo da terra sendo absorvido com devoção,
então tudo começa a se transformar.
Depois de muito esperar, e esperar dias,
meses e até anos, sempre tomado de esperançosa aflição, o compadre chega perto
do outro para dizer: “Já faz três noites que pro norte relampeia...”. E do
amigo ouve: “Não só o relampejamento, mas o tempo que vai mudando. A mataria
seca chega a gemer com o vento apressado que vai passando, a passarinhada agora
escolhe o tufo rente ao chão pra fazer o ninho, o sol sombreou de vez e o céu
parece pesado demais querendo se derramar. E quando o trovão chega não há como
negar que chuva muita vem por aí. E de vez em quando ouço o trovejar distante.
Acho que não passa desse anoitecer e a terra vai matar a sede medonha que desde
muito se arrasta por esse sertão de meu Deus”.
Tamanha é a aflição sertaneja em tempos
difíceis de estiagem, que o relâmpago e o trovão surgem como tão esperada
resposta aos seus rogos e preces. O céu faiscando ao longe, riscando entre as
nuvens o brilho da esperança, ao lado do barulho cortante que vem lá do alto,
ao invés de temor, o que causa mesmo é alegria, entusiasmo, contentamento. Se
tais sinais da natureza se aproximarem com a mesma força que se mostram ao
longe, então a trovoada estará formada e a chuvarada reencontrará a terra seca
e tão necessitada de suas águas.
Contudo, muito mais acontece com as trovoadas
que chegam. Logicamente que a primeira coisa que se deseja é que os tanques,
barreiros e açudes transbordem, que a terra fique molhada o suficiente para que
a semente seja logo plantada, que as pastagens cinzentas e devastadas logo
sejam recobertas de verde e os animais tenham o que comer. E também que chuvas
mais finas continuem caindo para que os grãos não sejam engolidos pelo barro.
Mas igualmente o homem recebe a sua benção a cada trovoada que cai. Ora, sua
vida se transforma totalmente.
A verdade é que a cada nova seca que se
alastra pelos sertões, o sertanejo é tomado de sofrimentos indescritíveis. É
ele que tem de cuidar dos bichos, que matar a fome e a sede da família, que se
virar como pode para suportar a dor e a aflição. Falta trabalho, não encontra
empreitada alguma para limpar roçado, não há boiada para transportar pelos
estradões, não há nada que garanta o ganho para o sustento da família. Sem
esquecer a submissão, a fragilidade que acaba fazendo com que tenha de recorrer
aos préstimos interesseiros dos políticos. E como já dizia Luiz Gonzaga: “Mas
Doutor uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o
cidadão...”.
Em tempos de seca braba, de manhãs
desesperançadas e noites angustiantes, o sertanejo também se torna como planta
que vai definhando. Mas cacto que é no mandacaru que possui na sua estrutura, na
força de palma e xiquexique que possui nas suas entranhas, vai suportando tudo
porque sua fé não permite acreditar no abandono divino. Sofre, agoniza, mas
continua acreditando que a qualquer instante a barra da manhã surgirá com os
sinais tão conhecidos e desejados. Por isso mesmo que a primeira coisa que faz
ao abrir a porta é lançar o olhar para o alto, desejoso de encontrar nas nuvens
as cores da salvação.
Será preciso que chova para salvar o sertão e
o sertanejo. Na estiagem o sertão amiúda, fica feio, saudoso. Muito rapazote
não suporta permanecer na terra sem ganhar qualquer tostão e arriba para tentar
a sorte em lugar distante. Assim como ocorre com o gado magro que é vendido a
qualquer preço e vai deixando poeira na curva da estrada, igualmente ocorre com
o jovem que se lança ao mundo e acaba sendo engolido pelas ambições dos outros.
Sai de seu mundo e encontra o trabalho em canaviais, em hidrelétricas, na
colheita dos grãos sulistas, servindo de ajudante de pedreiro nas mansões dos
endinheirados. Triste sina a do rapazote sertanejo em época de seca impiedosa.
A grande esperança está na trovoada, o
retorno somente será possível quando surgirem os relâmpagos e trovões e a
trovoada se derramar de vez. Então tudo será como a descrição feita por Luiz
Gonzaga: Já faz três noites que pro norte relampeia. A asa branca ouvindo o
ronco do trovão, já bateu asas e voltou pro meu sertão. Ai, ai eu vou me embora,
vou cuidar da prantação. A seca fez eu desertar da minha terra, mas felizmente
Deus agora se alembrou de mandar chuva pr'esse sertão sofredor, sertão das muié
séria, dos homes trabaiador. Rios correndo, as cachoeira tão zoando, terra
moiada, mato verde, que riqueza. E a asa branca tarde canta, que beleza. Ai,
ai, o povo alegre, mais alegre a natureza...
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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