SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 2 de julho de 2015

“JÁ FAZ TRÊS NOITES QUE PRO NORTE RELAMPEIA...”


Rangel Alves da Costa*


A estrofe acima, da letra de “A volta da Asa Branca”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, remete à contínua e persistente esperança do sertanejo por dias melhores. Esperança esta sempre dependente do fim da estiagem, do avistamento da barra de chuva no horizonte, da chegada de nuvens carregadas, dos relâmpagos e trovões triscando e zunindo pelas alturas, das trovoadas muito mais certeiras noutros tempos. E basta que pingo grosso caia no chão sertanejo, com aquele bafo quente subindo da terra sendo absorvido com devoção, então tudo começa a se transformar.
Depois de muito esperar, e esperar dias, meses e até anos, sempre tomado de esperançosa aflição, o compadre chega perto do outro para dizer: “Já faz três noites que pro norte relampeia...”. E do amigo ouve: “Não só o relampejamento, mas o tempo que vai mudando. A mataria seca chega a gemer com o vento apressado que vai passando, a passarinhada agora escolhe o tufo rente ao chão pra fazer o ninho, o sol sombreou de vez e o céu parece pesado demais querendo se derramar. E quando o trovão chega não há como negar que chuva muita vem por aí. E de vez em quando ouço o trovejar distante. Acho que não passa desse anoitecer e a terra vai matar a sede medonha que desde muito se arrasta por esse sertão de meu Deus”.
Tamanha é a aflição sertaneja em tempos difíceis de estiagem, que o relâmpago e o trovão surgem como tão esperada resposta aos seus rogos e preces. O céu faiscando ao longe, riscando entre as nuvens o brilho da esperança, ao lado do barulho cortante que vem lá do alto, ao invés de temor, o que causa mesmo é alegria, entusiasmo, contentamento. Se tais sinais da natureza se aproximarem com a mesma força que se mostram ao longe, então a trovoada estará formada e a chuvarada reencontrará a terra seca e tão necessitada de suas águas.
Contudo, muito mais acontece com as trovoadas que chegam. Logicamente que a primeira coisa que se deseja é que os tanques, barreiros e açudes transbordem, que a terra fique molhada o suficiente para que a semente seja logo plantada, que as pastagens cinzentas e devastadas logo sejam recobertas de verde e os animais tenham o que comer. E também que chuvas mais finas continuem caindo para que os grãos não sejam engolidos pelo barro. Mas igualmente o homem recebe a sua benção a cada trovoada que cai. Ora, sua vida se transforma totalmente.
A verdade é que a cada nova seca que se alastra pelos sertões, o sertanejo é tomado de sofrimentos indescritíveis. É ele que tem de cuidar dos bichos, que matar a fome e a sede da família, que se virar como pode para suportar a dor e a aflição. Falta trabalho, não encontra empreitada alguma para limpar roçado, não há boiada para transportar pelos estradões, não há nada que garanta o ganho para o sustento da família. Sem esquecer a submissão, a fragilidade que acaba fazendo com que tenha de recorrer aos préstimos interesseiros dos políticos. E como já dizia Luiz Gonzaga: “Mas Doutor uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão...”.
Em tempos de seca braba, de manhãs desesperançadas e noites angustiantes, o sertanejo também se torna como planta que vai definhando. Mas cacto que é no mandacaru que possui na sua estrutura, na força de palma e xiquexique que possui nas suas entranhas, vai suportando tudo porque sua fé não permite acreditar no abandono divino. Sofre, agoniza, mas continua acreditando que a qualquer instante a barra da manhã surgirá com os sinais tão conhecidos e desejados. Por isso mesmo que a primeira coisa que faz ao abrir a porta é lançar o olhar para o alto, desejoso de encontrar nas nuvens as cores da salvação.
Será preciso que chova para salvar o sertão e o sertanejo. Na estiagem o sertão amiúda, fica feio, saudoso. Muito rapazote não suporta permanecer na terra sem ganhar qualquer tostão e arriba para tentar a sorte em lugar distante. Assim como ocorre com o gado magro que é vendido a qualquer preço e vai deixando poeira na curva da estrada, igualmente ocorre com o jovem que se lança ao mundo e acaba sendo engolido pelas ambições dos outros. Sai de seu mundo e encontra o trabalho em canaviais, em hidrelétricas, na colheita dos grãos sulistas, servindo de ajudante de pedreiro nas mansões dos endinheirados. Triste sina a do rapazote sertanejo em época de seca impiedosa.
A grande esperança está na trovoada, o retorno somente será possível quando surgirem os relâmpagos e trovões e a trovoada se derramar de vez. Então tudo será como a descrição feita por Luiz Gonzaga: Já faz três noites que pro norte relampeia. A asa branca ouvindo o ronco do trovão, já bateu asas e voltou pro meu sertão. Ai, ai eu vou me embora, vou cuidar da prantação. A seca fez eu desertar da minha terra, mas felizmente Deus agora se alembrou de mandar chuva pr'esse sertão sofredor, sertão das muié séria, dos homes trabaiador. Rios correndo, as cachoeira tão zoando, terra moiada, mato verde, que riqueza. E a asa branca tarde canta, que beleza. Ai, ai, o povo alegre, mais alegre a natureza...


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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