EU E A PEDRA
Rangel Alves da Costa*
Não sou louco – ao menos é isso que imagino -, mas a minha melhor amiga é uma pedra.
Ao entardecer, quando o sol se prepara para ir embora com aquela linda roupa amarelada que tem, caminho por alguns instantes e vou ao encontro de minha amiga, a pedra.
Ela mora pertinho de onde moro, só que vivo no desencanto de uma cidade e ela mora no encantamento de uma montanha. É belíssima a casa de minha amiga, numa paisagem de fazer acreditar ainda mais em Deus e de onde avisto a exuberância das matarias, dos campos, das estradas, dos bichos, dos horizontes, das vastidões...
Minha amiga pedra vive num lugar maravilhoso, porém possui endereço humilde, muito simples mesmo. É que minha amiga não tem casa, vive sozinha no alto da montanha e continuamente está exposta ao frio, ao calor, ao sol, às chuvas e tempestades, aos ventos, aos desejos do clima. Quando o clarão da lua bate na montanha, o primeiro reluzir que encontra é o da pedra, de olhos sempre abertos e tristemente saudosos de alguém que nunca me disse o nome nem quem era.
Ela não me fala sobre seu passado e nem sobre muitas coisas do presente, mas sei que a amiga pedra é muito triste. Finge estar sempre alegre, sorridente e solícita, mas sei que é muito triste. Solitária e triste, que são duas coisas que nem pedra merece. E fico também muito triste por minha amiga. Queria ao menos entender um pouco daquele coração intransponível, mas não tem jeito. O coração da pedra tem uma aparência dura demais.
Um dia eu cismei de subir à montanha escondido e silenciosamente ficar atrás de um arbusto olhando como agia a minha amiga pedra quando estava na solidão. Queria saber principalmente se ela falava sozinha, cantava, gritava, chorava, ficava conversando com Deus que também mora ali, saía caminhando ao redor, atirava pedrinhas montanha abaixo. Mas nada, a minha amiga pedra parecia uma pedra e com comportamento de pedra: silenciosamente quieta, silenciosamente triste, silenciosamente pedra...
Ela tinha aquele jeito todo durão, mas não tinha jeito, eu gostava dela assim mesmo e nada faria me distanciar daquela amizade tão boa e tão leal. Para se ter uma ideia, durante esses anos todos que somos amigos nunca, jamais, uma vez sequer ela abriu a boca para falar aos outros sobre o que conversamos. Sempre confiei nela porque tudo o que lhe conto, seja segredo ou não, é como se ela só ouvisse naquele instante e pronto. Dali não sai mais nada, uma palavra sequer.
Gosto tanto da minha amiga pedra que só estar ao seu lado já me alegra, conforta e satisfaz. Muitas vezes, quando imagino que ela prefere ficar sozinha em silêncio, sento-me ao seu lado, mas não lhe falo diretamente, não puxo diálogo e nem faço perguntas. Respeito quando ela quer ficar desse jeito, quietinha e pensativa. Mas ainda assim, insistente que sou, como quem não quer nada me ponho a conversar sozinho, imaginando sempre que ela está ouvindo tudo o que digo.
Nesse conversar solitário ao lado dela, sei que às vezes falo demais, digo besteiras, converso aquilo que somente a mim caberia. Mas falo porque confio na minha amiga pedra. Digo coisas difíceis de acreditar:
"Se algum dia eu for embora daqui levo você comigo. Se você disser que não vai levo a montanha". E ela calada.
"Às vezes venho aqui também para ver se encontro com Deus. Ele vive em mim, mas preciso dizer isso a Ele. Sei que Ele também é seu amigo e por isso quero que dê um recado: na próxima encarnação eu quero nascer pedra!"
"Impossível. Você tem um coração bom demais para ser pedra. E eu não sou pedra. Só estou esperando o meu dia de me transformar em pó e ser levada pelo vento para onde você for". Respondeu ela.
Um dia subi na montanha e não encontrei mais minha amiga pedra. Um vento soprou e o bolso de minha camisa, bem ao lado do coração, se encheu de grãos fininhos de areia. Tinha razão minha amiga. Sempre estará ao meu lado, bem ali espalhada no meu jardim onde vivo minha solidão de pedra.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Rangel
É uma leitura interessante. Sua sensibilidade com as palavras me fez lembrar de um outro personagem de Poço Redondo. Um grande amigo que consegue traduzir em letras os seus sentimentos.
Parabéns pelo lindo texto.
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