RITUAL DE INICIAÇÃO NO AMOR
Rangel Alves da Costa*
Antropólogos e sociólogos definem ritual de iniciação como sendo cerimônias que condicionam determinados indivíduos a uma nova situação de vida; ofícios ordenados onde determinados membros são introduzidos em um grupo social, geralmente por membros mais antigos, após o cumprimento de determinadas formalidades ritualísticas; todos os rituais e cerimônias que propiciam a passagem de uma pessoa para uma nova forma ou fase de vida ou um novo status social. Em síntese, são celebrações que iniciam os indivíduos perante novas responsabilidades na vida.
Segundo o estágio cultural das sociedades e a sua visão de mundo, o ritual de iniciação se presta a uma infinidade de objetivos: nascimento, adolescência, morte, casamento, hierarquia, poder, separação, e por aí vai. Com o ritual, pressupõe-se que os indivíduos adquirem as experiências dos outros, dos mais experientes, e a partir daí poderão conduzir seus destinos segundo as normas estabelecidas naquela sociedade.
Contudo, muitas vezes a autoiniciação, quando o próprio indivíduo se prepara para vivenciar novas experiências e assumir novas responsabilidades, se torna muito mais importante do que a iniciação grupal, pois nesta há imposição, enquanto que aquela tem sua base simbólica nas escolhas ou preferências advindas do próprio iniciante. Neste sentido, quando se trata de inserir o indivíduo no contexto do amor pelo outro, enquanto desejo e não apenas como pessoa, nada melhor do que a própria pessoa cuidar do seu ritual de iniciação.
Preparar-se para o amor, para amar, para viver suas alegrias e desilusões, já traz consigo um sentido de ritualização. Ora, são os instantes das pretensões, das escolhas, do achar o que deve ser melhor e o que deve ser evitado. Num ritual de iniciação no amor, pressupõe-se, assim, que a pessoa vai definir como sente o amor, o que tem como amor, como pretende expressá-lo e o que pretende conseguir amando.
Veja-se, por exemplo, uma jovem diante de um fogaréu enorme com um tacho ou caldeirão maior ainda por cima, onde deverá jogar dentro dele folhas que representam todas as suas expectativas que tem sobre o amor dali por diante. À luz de velas, segura numa das mãos um imenso galho verdejante da árvore do paraíso e com a outra mão vai desfolhando e jogando cada folha dentro do recipiente com água tão fervente que solta fumaça. Aquilo que realmente deseja não afunda e some com a folha, mas aquilo que não deseja no amor vai subindo e fica transbordando sobre as borbulhas.
A menina pensa em manter castidade e continuar virgem até o casamento: a folha é jogada e some; quer ser recatada no amor e ter o menor número de namorados possível: a folha desaparece; a menina acha melhor experimentar o máximo das relações amorosas: a folha transborda suavemente; quer ser difícil para não se tornar vulgar: a folha não afunda; será compreensiva e amiga do seu namorado: a folha fica por cima da água; acha que naquela idade ainda não é tempo de arranjar namorado: a folha some; não vai contrariar os seus pais nem os familiares: a folha não é mais vista; terá o máximo de cuidado para não engravidar: a folha fica transbordando. Enfim, acha que já está em condições em decidir tudo sozinha sem precisar ouvir em nada os seus: o tacho quebra de vez e a água queima os pés da menina.
Como se observa, não é nada fácil a ritualização de iniciação no amor. Contudo, seria bom que cada um, tanto meninos como meninas, começassem seus rituais sempre com uma pergunta: quero amar de verdade porque o amor ainda existe e é possível amar, ou quero fazer do amor um caminho para o sexo, porque assim todos dirão que me ama?
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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