EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 82
Rangel Alves da Costa*
Mesmo que as chuvas sejam tão necessárias para a vida de alguns lugares e sirvam para alimentar os sonhos de sobrevivência do homem, quando ela é intensa demais e depois disso o sol ressurge e começa a brilhar, secando as poças e enxugando a umidez espalhada, tudo vira motivo de encantamento. A amiga chuva convida o amigo sol a tomar lugar no trono do ciclo da natureza. Os homens seguem o mesmo destino.
O Padre Josefo parou o seu velho carro no instante em que Lucas estava recebendo areia e brita para as obras do novo barracão. O velho sacerdote encantou-se com os preparativos e pediu desculpas por ter andando meio sumido nos últimos dias. Segundo ele, muitas coisas tinham acontecido, fatos que relataria depois.
Lucas também falou que havia passado por alguns problemas, consequencias de uma enfermidade que não se confirmou nem como gripe nem como nenhuma outra. Apenas estivera doente e muito doente. Entraria em detalhes depois. Assim, quando este se deu por satisfeito pelo recebimento do material, os dois caminharam até a praça da cruz onde ficaram conversando em pé mesmo.
Logo no início da conversa, demonstrando não estar muito confortável para falar sobre o que pretendia, o sacerdote foi forçado por dever de consciência a dizer o que sabia ao amigo acerca de um acontecimento instigante.
- Como todos somos fracos, frágeis demais nessa vida. Todos sorridentes, felizes e contentes num instante e no ou outro tudo já desanda. Daí a maior prova que não devemos nos envaidecer, ser orgulhosos e plantarmos ainda as desigualdades, pois de repente a vida escolhe um para dar exemplos... – Fazendo rodeios para chegar aonde queria, foi interrompido pelo amigo:
- Aonde quer chegar Padre Josefo, fale logo homem de Deus, pois desse jeito a gente fica nervoso e preocupado.
- Preocupado sim, amigo Lucas, muito preocupado. Peço que não se abale, mas eu soube que a menina Ester também está com uns probleminhas de saúde, só que o problema da nossa futura médica é de saúde mental. Relataram-me de joelhos no chão que a mocinha perdeu o juízo de uma hora pra outra. A família fez e ainda está fazendo de tudo para encobrir o acontecido, mas a verdade é que começou a apresentar distúrbios, chegando ao ponto de destruir muitos móveis do casarão onde moram. E disseram também, e aí é onde está o mais estranho, que ela tentou matar o pai com um canivete. Por sorte pessoas evitaram o pior. Antes desse lamentável fato gritou para todo mundo ouvir que ele não valia nada, que ninguém votasse nele porque não passa de uma pessoa ruim e perigosa, que gosta de maltratar e humilhar as pessoas. E falou em seu nome. Disse que ele, o pai, havia acabado com a vida dela, exigindo que se aproximasse de você para fazer o mal, vez que você não aceitava trabalhar para eleger ele deputado. Por consequencia disso, a sua intenção maior era destruí-lo, até matando-o, se fosse preciso. Logicamente que ninguém acreditou nessas palavras, principalmente diante do quadro doentio apresentado por ela. Dizem que enquanto falava espumava e soltava grunhidos e, por fim, tentou tirar a roupa para correr pela cidade. Como resultado, foi colocada amarrada num carro e levada para um hospital psiquiátrico na capital.
Lucas ouviu toda a história sem ao menos esboçar qualquer tipo de reação. Diante do que andava passando, parecia que os fatos novos nem tinham mais o poder de surpreendê-lo ou coisa parecida. Contudo, na verdade aquilo não lhe era mais estranho, pois não sabia dizer bem como nem porque, mas já havia tomado conhecimento de que sua ex-namorada havia enlouquecido. E até achava que ela vinha apresentando problemas mentais bem antes disso, pois suas últimas ações não poderiam ser de uma pessoa em perfeito estado mental.
Os meninos não haviam voltado para dizer a ele, mas no dia que ela saiu correndo de sua casa após verificar que não tinha conseguido envenená-lo, eles a encontraram dançando e fazendo piruetas em pleno lamaçal, toda descabelada e suja parecendo realmente uma doida. Assim que a encontraram naquele estado medonho, logicamente que procuraram se esconder por medo. E assim ficaram escondidos por trás de uns arbustos e só saíram de lá quando ela saiu em correria em direção à cidade.
Após o relato do sacerdote, Lucas apenas falou:
- Pois é padre, veja só como são as coisas. Quando a maldade começa a ter guarida na mente de uma pessoa, se instala ali porque a pessoa deseja ter essa maldade para espalhar o mal, não há que se esperar outra coisa. Essa menina de repente se transformou em algo inacreditável. Uma pessoa doce e bondosa, mas ainda cheia daquela ânsia familiar de ter poder e mais poder, e de repente se transformou numa pessoa fria, asquerosa e perigosa. E vou contar por que.
E começou a relatar as ações do pai e da filha em torno do apoio político pretendido e como passaram a agir depois que se negou a aceitar as propostas. Após ouvir tudo de olhos esbugalhados, o sacerdote falou:
- Tanto veneno em um frasco tão belo!
Porém nenhum dos dias sabia da tentativa de envenenamento. Jamais saberiam.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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