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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 88

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 88

Rangel Alves da Costa*


Lucas pronunciou tais palavras sem ter a intenção de passar qualquer recado, por isso mesmo não percebeu no instante a reação do delegado, a vermelhidão estranha que tomou conta do homem. Somente mais tarde, quando já estava no caminho de sua casa é que o fato lhe veio à mente e pôde compreender que poderia de falado demais sem querer.
E um monte de interrogações lhe veio à mente: E se o delegado achar que eu descobri que o Padre Josefo não morreu de causa normal, mas sim que foi envenenado? E se eles ficarem sabendo que ouvi o que estavam conversando? E se eles ficarem sabendo que eu sei do envolvimento deles no envenenamento? E se eles, como procuraram apagar todas as provas na cena do crime, quiserem apagar também quem sabe da verdade?
Poderia responder a todas essas indagações numa simples mas cruel constatação: Estou correndo perigo, e muito perigo! E de repente ouviu uma voz ao seu lado, que ao mesmo tempo parecia surgir de todo lugar:
"Não receeis Lucas, não tenhas medo porque sou teu anjo, sou aquele que te acompanha em todos os momentos. Você me conhece, já somos amigos, pois já estamos nessa caminhada desde que foste escolhido para ser um dos carregam nessa vida a cruz do Senhor. Estou sempre ao teu lado e sou como a própria voz do Mestre que não guia os passos, porém ensina onde estão os melhores caminhos e abre os olhos para que enxergue os perigos e as oportunidades. Neste momento de dor e sofrimento pela perda do amigo, o conforto que me cabe dar é dizer uma frase que vocês da terra conhecem muito bem: o mal que traz o bem é aquele que serve de alerta para que a maldade não se repita. Posso dizer que, tal qual o Senhor foi crucificado pela salvação do homem, também o Padre Josefo ofereceu a sua própria vida para te salvar. Talvez as razões do Senhor não sejam fáceis de entender, mas o mesmo veneno que foi misturado ao vinho do sacerdote poderia ter sido o veneno que fosse lhe espreitar na escuridão, testar suas forças, amedrontá-lo até consumi-lo por inteiro. O veneno, Lucas, não é somente o líquido, a substância que mata pela ingestão, mas também as ações venenosas do mal contra o bem. E que ações seriam estas, Lucas? Direi que todas aquelas que você já conhece, na morte do que está ao seu redor, na destruição dos bens do seu patrimônio, nas ameaças, nas falsidades, no que está escondido e no que ainda está por vir. Não tenha dúvidas, meu bom rapaz, que muito ainda está por vir e é por isso mesmo que estou aqui, não para servir de escudo contra o que possa lhe atingir, mas para conduzi-lo ao abrigo dos justos, guiá-lo nos passos da proteção e fazendo com que os teus olhos encontrem os melhores caminhos, teus passos a força para seguir em frente e teu pensamento a luz para agir conscientemente em cada momento e perante cada situação. Por isso estou aqui, e só estou aqui para lhe falar neste momento porque tenho algo muito importante a dizer e isto poderá lhe custar até mesmo o futuro: abriram a cova dos leões e os leões estão famintos!".
E num repente a voz sumiu, restando somente um forte aroma de almíscar pelo ar. O perfume do almíscar significa confiança e determinação.
Assim que avistou sua casa achou estranho encontrá-la de portas abertas. Tinha certeza de tê-la deixado fechadas ao sair. Caminhou mais rapidamente e assim que chegou à varanda foi surpreendido com uma verdadeira revoada de passarinhos saindo de dentro, como numa nuvem de asas e penas branquinhas. Todos os passarinhos que passaram voando sobre sua cabeça eram de cor branca. Não lembrava de nenhum passarinho completamente nessa cor. Passado o susto, entrou porta adentro e viu alguém sentado numa posição onde ficava de costas. E assim que Lucas perguntou quem estava ali, a pessoa virou-se e ele então percebeu que se tratava de Ester. Mas não podia ser, pois ela estava internada num hospital psiquiátrico e muito doente, pelo que ouvira dizer. Mas era ela, não tinha dúvidas.
- O que você está fazendo aqui Ester, você não estava internada, não está doente? – Perguntou. E ela imediatamente respondeu:
- Estava, mas não estou mais, já sarei, já curei de todos os males para sempre...
- Mas o que você veio fazer aqui? Soube que o Padre Josefo morreu? – Interrompeu Lucas para perguntar, ainda assustado.
- Soube. Até encontrei com ele há alguns instantes. Avistei-o entrando por uma porta enquanto eu saía por outra totalmente diferente...
- Mas você ainda está doente Ester. O que é mesmo que você está dizendo?
E ela respondeu com um sorriso embranquecido e triste:
- É isso mesmo Lucas, eu também morri. Eu morri e estou aqui para lhe pedir perdão. Sem o eu perdão voltarei para a mesma porta de onde saí...


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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